Quando se
percorre a árdua estrada de se conscientizar que você está vivendo um
relacionamento destrutivo e não um conto de fadas, vive-se um número sem fim de
fases e momentos de altos e baixos, permeados de certezas e incertezas que
parecem enlouquecer.
De repente,
num dia cheio de enorme desconforto na relação, você se deparou com um texto
dessa página que lhe fez ter um choque de realidade. Foi como se o quarto estivesse
escuro e você encontrasse o interruptor. Foi como descortinar a janela de uma
sala fria e sombria para ver que lá fora o dia está claro e faz sol. A luz de
cega, mas alivia o medo de não saber o que tem diante dos olhos. O dia lindo
convida, você ainda não sabe como chegar lá fora, mas consegue ver que está
claro.
Comigo não
foi diferente. Me lembro com exatidão a primeira fez que li sobre perversão
narcísica. Foi um tapa na cara que parecia ter me desfigurado para sempre. Foi
a morte da inocência e o início da vida adulta. Eu mal podia acreditar que ali,
num texto escrito por outra pessoa que não me conhecia, pudesse estar descrita
a minha vida, as minhas emoções e o pior: as características do meu parceiro
que eu imaginei fosse perfeito e para toda vida.
Os dias que
se sucederam foram de obsessão no mais puro sentido da palavra. Eu precisava
saber tudo. Não existia mais nada em português além daquele artigo. A palavra
narcisismo jogada no Google dava sempre em histórias sobre o mito Narciso ou
qualquer coisa ligada a excesso de amor por si mesmo. Não era nada disso. Era
sobre a minha vida ali e era tudo muito feio.
Parti em
busca de conhecimento e encontrei uma fonte rica nos EUA. Foi ali que descobri
o que havia por trás de toda aquela brutalidade velada que eu vivi. Foi ali que
redescobri minha própria identidade e quão fundo eu a havia enterrado.
Mas espere! O
objetivo principal desse texto não é contar parte de minha experiência, e sim
explorar um aspecto desse meu processo de descoberta: a dúvida. A um certo
ponto, eu, exausta de tanto descobrir, me sentei, chorei e pensei: E se eu
estiver exagerando? E se ele não for um perverso narcisista? E se o perverso
for eu? Estou fazendo diagnósticos? Se ele for, como tratar?
Foi preciso
ainda muito estudo, exercício de amor próprio, além da observação fria e
destacada do comportamento de meu ex, para chegar às respostas.
Já de início,
entendi que não é possível identificar alguém emocionalmente normal (não
perverso) dentro do conteúdo abordado nessa página. Quando essa leitura faz
todo sentido do mundo e o leitor se vê nas situações, enxergando cada movimento
da pessoa perversa que lhe assombra a vida, simplesmente não é possível que
seja uma mera coincidência.
Então percebi
que se eu fosse realmente a pessoa perversa não estaria naquela situação
deplorável a que cheguei e menos ainda, teria consciência de minha
perversidade. Saberia dela, mas não a entenderia como algo reprovável e sim
necessária para minha sobrevivência. Estaria não ali buscando respostas, mas
sugando um novo alvo e arquitetando um modo de transformar a vida do meu ex num
inferno.
Se fosse
perversa, estaria atolada em mim e em meus interesses, e não focada em
ajudá-lo, culpando-me. Ao invés disso, eu doía todo o estresse pós traumático
que aqueles anos deixaram e que parecia nunca ter fim. Aprendi rápido que
culpa, remorso, empatia e admissão de falhas não são características de pessoas
perversas. Eu as tinha, ele não.
Daí
compreendi que, independente de um possível diagnóstico acertado, a violência
silenciosa da qual fui alvo, a espiral constante de loucura, acusações,
instabilidade, rejeição, abandono e medo que vivi, não eram coisas aceitáveis,
não importava de quem estivessem vindo.
Aprendi que,
narcisista ou não, aquilo pouco importava. O que realmente deveria me incomodar
era o grau de malignidade que aquilo trazia para minha vida e meu funcionamento
como indivíduo. Coloquei na cabeça que saber o que essas características
significam deveria servir como norte para dar rumo à minha vida e não à vida
dele.
Por fim, um
dia em que ainda resistia, com choros compulsivos embaixo do chuveiro, dei um
grito comigo mesma no espelho e perguntei: Quem você quer ajudar? Essa pessoa
te pediu ajuda? Ela acha que precisa de ajuda? Ela deseja essa mudança? Ela
acha que o problema está com ela ou com você? Você quer ajudá-la e curá-la,
enquanto quem está ajudando a curar você? Quem, afinal, precisa de ajuda?
Perguntas duras, respostas duras.
Aceitei com
dor que minha dúvida em relação à pessoa perversa com a qual convivi tinha duas
razões principais e ambas tinham a ver com minha mania de “enfermeira”:
1. Queria ter
certeza que, se era mesmo um transtorno, por que eu não conseguiria “ajudá-lo”?
Ele precisava de ajuda! Lá estava eu de novo tentando estar na posição da
boazinha mártir que tudo suporta e tudo transforma e que, portanto, só um louco
não a manteria sempre por perto. Queria ajudar, cuidar, curar, transformar um
homem porque eu era incapaz de fazer isso por mim mesma.
2. Constatei
que, ao assumir para mim as culpas e o papel de perverso da relação, eu o
tirava da posição de intratável, incurável, irremediável, mau. Eu o mantinha
imaculado e lindo. Eu o havia idealizado demais, não queria destruir o príncipe
que eu havia construído com tanto esmero. Era bem mais fácil destruir a mim
mesma. Assumir o papel do bandido, me fazer castigar e depois trabalhar duro
para reconquistar o homem perfeito.
Constatei
incrédula e ferida, que pessoas que são como eu era passam a vida toda se
agredindo para preservar e agradar os outros e que naquele momento eu ainda não
queria fazer diferente. Sentia medo de ser fazer o que nunca tinha feito: focar
e cuidar de mim. Queria a minha zona de conforto. Queria manter intacta minha
autossabotagem.
Foi com trabalho
duro, muita leitura, muito estudo, luta interna, contato zero e certeza de que,
fosse o que fosse, eu não queria mais aquilo para minha vida, que consegui me
dar respostas: “Não é problema seu o que ele é ou deixa de ser. Você é problema
seu. Você importa. Você merece mais e melhor. Ninguém que não reconhece seu
valor merece ocupar espaço em sua vida ou gastar seus melhores anos.” Acreditei
nelas e segui.
Talvez você
leitor esteja vivendo o mesmo dilema, por motivos semelhantes ou não, não
importa. O que importa é que hoje é o momento certo de se CONSCIENTIZAR. É a
hora de parar de se autossabotar para proteger, preservar, encobrir alguém oco,
que não tem absolutamente nada a lhe oferecer.
Você repete
aos quatro ventos que viveu uma linda história de amor e que só agora as coisas
ficaram feias. Você se agarra firme à ideia que, apesar de tudo, aquela é uma
pessoa boa e os momentos bons foram tantos que justificam sua enésima
tentativa.
Você faz
lindos desenhos o tempo todo e faz um esforço colossal para que aquela pessoa
se torne esse ser que existe aí dentro de seu mundo imaginário, tão distante
daquele que tem diante dos olhos quando humilha você ou goza quando você liga
500 vezes na tentativa de desfazer um mal entendido, sem que ninguém responda.
Você acredita
que se se esforçar um pouco mais, fará a pessoa feliz e, de consequência,
também será feliz. Sua fichas estão todas nela e, para você, desistir é perder
todas, é acreditar que ninguém quer ou ama você e que toda sua oportunidade de
ser feliz vai morrer ali. Você não sabe que tudo de bom que a vida tem para lhe
dar vai ser destruído se não sair correndo dessa posição. Você bate o pé, faz
birra e fica.
Você quer que
essa pessoa tenha algo a oferecer, mas sabe que ela não tem. Você sabe disso
desde o início. Você busca desesperadamente algo que dê sentido à essa relação
e não encontra. Você faz tudo e agora senta aqui para ler este texto estando
tomada(o) por uma exaustão indescritível.
No fundo sabe
que não vai conseguir. Sabe que a pessoa real nada tem a ver com a imaginária.
A saída fácil é se culpar para limpar o outro. A saída dolorosa é admitir que
amou uma fraude, aceitar os fatos, juntar os pedaços e começar de novo com foco
na única pessoa cujo diagnóstico deve de fato interessar: você.
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