terça-feira, 29 de março de 2011

A engenharia genética a caminho dos «bebés de encomenda»


«A engenharia genética aplicada aos homens suscita de imediato a suspeita de novas práticas eugénicas, com todas as implicações morais que a expressão acarreta e, em última análise, a capacidade de modificar a natureza humana. […]



O supremo objectivo da tecnologia genética é o «bebé por encomenda». Ou seja, os cientistas conseguirão identificar o «gene para» algumas características como a inteligência, a altura, a cor do cabelo, a agressividade ou a auto-estima, trocando os menos desejáveis pelos melhores. O gene em questão pode mesmo nem provir de um ser humano. […]
A questão coloca-se, pois, deste modo: haverá circunstâncias em que as escolhas individuais no campo da biotecnologia acarretem exterioridades negativas, arrastando a sociedade como um todo para uma condição pior?
A parte terceira potencialmente mais susceptível de ser prejudicada são as crianças sujeitas a modificações genéticas, sem terem dado o seu consentimento, como é óbvio. A pre­sente legislação sobre a família assume uma comunidade de interesses entre os pais e os filhos, concedendo aos primeiros amplo espaço de manobra para decidirem sobre a educação dos segundos. De acordo com os libertários, a esmagadora maioria dos pais pretenderá o melhor para os seus filhos, o que implica da parte destes um assentimento tácito quando se trate de lhes aumentar a inteligência, melhorar o aspecto, ou outro tipo de características genéticas desejáveis. Contudo, é possível que em determinadas circunstâncias, as escolhas genéticas que parecem vantajosas aos pais possam vir a ser prejudiciais aos filhos.




Politicamente correcto
Certas características que os pais podem querer dar aos filhos podem ter a ver com elementos da personalidade cujas vantagens não sejam tão indiscutíveis como a inteligência, ou o bom aspecto físico. Os pais podem ser influenciados, quer por uma moda, quer por preconceitos culturais, quer ainda pelo politicamente correcto. Assim, uma geração pode pre­ferir raparigas extremamente magras, ou jovens machos dóceis e efeminados, ou filhos com cabelo ruivo. Tudo isto pode estar já fora de moda na geração seguinte. Pode dizer-se que já hoje os pais cometem erros em relação aos filhos, nomeadamente no que respeita à educação e à imposição dos seus próprios valores, que até podem ser bizarros. Só que uma criança que foi educada de determinada maneira pelos pais tem sempre a possibilidade de mais tarde se revoltar. A modificação genética equivale a uma tatuagem perene, inamovível que, para além de suportada pelo próprio, será ainda transmitida à sua posteridade. (Já foi aventada a possibilidade de ladear a questão do consentimento quanto à engenharia genética por recurso ao uso de cromossomas artificiais, que podem ser adicionados à herança genética normal da criança, mas que serão activados apenas quando o portador atingir a idade adequada para dar o seu consentimento. ‑ Ver Stock e Campbell, 1999, p. 11)
[…] Já estamos a recorrer às drogas psicotrópicas para transformar os nossos filhos em andróginos, administrando Prozac às raparigas depressivas e Ritalin aos rapazes hiperactivos. A próxima geração pode vir a preferir, seja qual for a razão, que os jovens sejam super-másculos e as raparigas hiperfemininas. Mas é sempre possível parar a administração das drogas se não se gostar dos resultados. O que acontece com a engenharia genética é a transferência das opções de uma geração para a geração seguinte.
Os pais podem facilmente tomar decisões erradas quanto ao futuro dos filhos, na medida em que têm de confiar nos conselhos de cientistas e de médicos que têm os seus próprios pontos de vista. O desejo de dominar a natureza humana, seja por simples ambição, ou por convicções ideológicas sobre a maneira como as pessoas deveriam ser, é algo muito comum.
No livro As Nature Made Him, o jornalista John Colapinto descreve a história confrangedora de um rapaz chamado David Reimer, que teve a dupla infelicidade de ter o pénis cauterizado durante uma circuncisão mal feita e de vir a cair mais tarde sob a alçada de um conhecido especialista de sexualidade da Universidade de Johns Hopkins, o dr. John Money. Este posicionava-se num dos extremos da controvérsia entre a natureza e a cultura, tendo sustentado ao longo de toda a sua carreira que a identidade associada ao género não era natural, mas sim construída após o nascimento. David Reimer proporcionou a Money a grande oportunidade para testar a sua teoria, tanto mais que o jovem tinha um gémeo uniovular, geneticamente idêntico, com o qual podia ser comparado. Após o incidente com a circuncisão, Money tratou da castração do rapaz e supervisionou a sua educação como uma rapariga, dando-lhe o nome de Brenda.
A vida de Brenda tornou-se um inferno, pois sabia, a despeito do que os pais e o doutor Money lhe diziam, que era um rapaz e não uma rapariga. Desde tenra idade que insistiu em urinar de pé, em vez de sentada. Mais tarde,
Alistada nos Escuteiros Femininos, Brenda sentia-se tremendamente infeliz. «Recordo-me de estar a fazer coroas de malmequeres e pensar: 'Se isto é a coisa mais interessante do escutismo feminino, o melhor é esquecer', recorda David. 'Não deixava de pensar nas coisas formidáveis que o meu irmão devia estar a fazer no seu grupo de escuteiros.' No Natal e nos aniversários, Brenda recebia bonecas, com as quais se recusava a brincar. «O que se faz com uma boneca?», lamenta-se hoje David, com uma voz carregada de recordações frustrantes. «Olha-se para a boneca. Veste-se a boneca. Despe-se a boneca. Penteia-se a boneca. É uma parvoíce! Com um automóvel, pode-se ir conduzi-lo, ir a qualquer lado. O que eu queria eram carros.» (in As Nature Made Him: The Boy Who Whas Raised as a Girl, John Colapinto, Nova Iorque, HarperCollins, 2000, p. 58)
A tentativa de forjar uma nova identidade sexual provocou tantos distúrbios emocionais quando Brenda atingiu a puberdade que ela rompeu por completo com o doutor Money e submeteu-se a uma reconstrução do sexo; presentemente, David Reimer é um homem casado e feliz.
Hoje em dia já se sabe que a diferenciação sexual começa antes do nascimento e que o cérebro dos machos humanos (como sucede com outros animais), é submetido a um processo de «masculinização» in utero quando recebem um «banho» pré-natal de testosterona. O que nesta história é digno de registo, é que Money afirmou durante cerca de 15 anos, em relatórios científicos, que tinha conseguido mudar a identidade sexual de Brenda, quando na realidade não tinha conseguido. Money recebeu aplausos generalizados pelas suas pesquisas. Os seus resultados fraudulentos foram elogiados pela feminista Kate Millet no livro Sexual Politics, pela Time e pelo New York Times, tendo sido integrados em numerosos livros, incluindo um onde eram citados como prova de que «as crianças podem ser facilmente educadas como membros do sexo oposto», e de que as poucas diferenças sexuais naturais entre os seres humanos «não são muito marcantes e podem ser elididas pela aprendizagem cultural» (citado por Colapinto, 2000, pp. 69-70).
O caso de David Reimer serve de alerta para a utilização futura da biotecnologia. Os pais de David Reimer foram movidos pelo amor ao filho e pela infelicidade que sobre ele se abatera por causa da circuncisão mal sucedida, tendo consentido num tratamento horroroso pelo qual, anos mais tarde, se vieram a sentir culpados. John Money foi movido por um misto de vaidade científica, ambição e desejo de confirmar um ponto de vista ideológico, tendo sido levado a negligenciar evidências contraditórias, e tendo trabalhado contra os interesses do seu paciente.




As normas culturais também podem induzir os pais a tomar opções que prejudiquem os filhos. Já anteriormente nos referimos ao que se passa na Ásia, com o recurso às ecografias e aos abortos para seleccionar o sexo dos descendentes. Em muitas sociedades asiáticas, o facto de se ter um filho do sexo masculino confere vantagens indiscutíveis aos pais, não só em termos de prestígio social como de segurança na velhice. Mas há um claro prejuízo para as raparigas que não chegam sequer a nascer. O desequilíbrio na proporção entre os sexos atinge os homens enquanto grupo, tornando-Ihes mais difícil encontrar companheira e enfraquecendo a sua capacidade negocial face às mulheres. Considerando que os homens solteiros são mais propensos à violência, então podemos dizer que toda a sociedade será afectada. […]

O respeito pela Natureza
Há que ter prudência no que respeita à ordem natural das coisas e não julgar que nos é possível melhorar a natureza por meio de intervenções avulsas. É uma verdade que já foi confirmada pelo ambiente: os ecossistemas são conjuntos interligados, cuja complexidade muitas vezes nos escapa; a construção de uma barragem ou a introdução de uma monocultura em determinada área introduzem rupturas invisíveis nessas ligações, destruindo o equilíbrio do sistema de forma totalmente inesperada.
O mesmo sucede com a natureza humana. Há muitos aspectos da nossa natureza que julgamos entender muito bem, ou que gostaríamos de modificar, se para isso nos fosse dada a oportunidade. No entanto, melhorar a natureza não é fácil. A evolução pode ser um processo cego, mas age de acordo com uma lógica adaptativa inexorável que promove a adequação de cada organismo ao respectivo ambiente. […]»

Francis Fukuyama,
O nosso futuro pós-humano – consequências da revolução biotecnológica
Lisboa, Quetzal Editores, 2002, pp. 122-157
Tradução de Vítor Antunes




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Por: Paula Rothman, INFO Online, 08/07/2010
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quarta-feira, 23 de março de 2011

Os genes e a sexualidade — hetero e homo

Amanda Lepore dolls by designer Jason Wu


«A sexualidade é a terceira área na qual os conhecimentos adquiridos sobre a genética terão uma importância vital. Poucas pessoas poderão negar que a sexualidade tem profundas raízes biológicas e que, de forma ainda mais marcada do que nas diferenças raciais, muitas das diferenças entre macho e fêmea são resultantes da biologia e não da envolvente social. Os grupos humanos raciais e étnicos (a fronteira entre os dois conceitos é, por vezes, um tanto difusa) desenvolveram-se, ao fim e ao cabo, apenas durante as últimas dezenas de milhar de anos — o que não passa de um clique no relógio da evolução — mas a diferenciação sexual existe há vários milhões de anos, muito antes do surgimento dos seres humanos. Os homens e as mulheres diferem psicologicamente, geneticamente (as mulheres têm dois cromossomas X e os homens um par XY), e também a nível neurológico. Para uma determinada corrente feminista contemporânea é um dado adquirido que todas as diferenças sexuais se resumem ao corpo, e que a mente dos machos e das fêmeas é, essencialmente, idêntica. Para quem partilha esta perspectiva, todas as diferenças sexuais se transformam em diferenças de género, ou seja, em diferenças decorrentes do processo de socialização dos rapazes e das raparigas. Contudo, é altamente improvável que tal seja inteiramente verdade, e existe um ramo da biologia evolucionista que, ao longo da última geração, tem vindo a afirmar que as mentes dos machos e das fêmeas foram formatadas por exigências diferentes dentro do processo evolutivo de adaptação.
Durante os últimos 40 anos, foram inúmeros os trabalhos empíricos realizados neste campo. Em 1974, as psicólogas Eleanor Maccoby e Carol Jacklin, resumiram muito do conhecimento à data existente numa obra de grande dimensão intitulada Psychology of Sex Differences. O livro põe a ridículo certos mitos sobre a maneira como os homens diferem das mulheres, refutando a existência de provas credíveis de que os rapazes e as raparigas se distinguem no que concerne à sociabilidade, à sugestibilidade e, de uma forma mais geral, à capacidade analítica e à inteligência. Em contrapartida, alguns estudos demonstraram que, num certo número de aspectos, existem diferenças consistentes. As raparigas tendem a fruir de uma capacidade verbal superior à dos rapazes, os quais, por sua vez, são superiores na capacidade visual-espacial e na matemática, mas que se revelam muito mais agressivos.
Outra obra posterior de Maccoby, The Two Sexes, mostra como a diferenciação dos géneros se inicia na mais tenra idade. Uma grande variedade de estudos empíricos revela que os rapazes se entregam muito mais às brincadeiras físicas do que as raparigas, que tendem muito mais a estabelecer hierarquias de dominação, que são mais competitivos e que essa competitividade tende a manifestar-se mais entre grupos do que entre indivíduos. Os rapazes são fisicamente mais agressivos do que as raparigas, mas estas demonstram maior agressividade relacional (agressão por ostracismo social ou alienação). O discurso dos rapazes é diferente, centrando-se mais frequentemente sobre temáticas de violência agressiva, enquanto que o enfoque das raparigas é sobre as relações familiares. Durante a infância, e no que respeita à escolha do sexo dos parceiros de brincadeiras, tanto uns como outros parecem rigidamente programados para a segregação sexual. A maioria destas conclusões subsiste em todas as culturas. Segundo Maccoby, todas estas características permitem inferir a existência de elementos biológicos activos na definição das condutas do macho e da fêmea, para além dos factores de socialização a que são geralmente atribuídas.
Quando se aborda a questão dos genes e da homossexualidade verifica-se uma inversão de papéis no mundo da política. Em questões como os genes e a inteligência, os genes e a criminalidade e os genes e as diferenças sexuais, a Esquerda opõe-se veementemente a quaisquer explicações biológicas, procurando desvalorizar as provas de que a hereditariedade desempenha um papel de relevo em todos estes comportamentos. Quando se trata da homossexualidade, a Esquerda defende a posição contrária: a orientação sexual não depende da escolha do indivíduo nem das condicionantes sociais, é algo que nasce com a pessoa.
A homossexualidade constituiu sempre um problema especial para a biologia evolucionista. Quando se considera que tudo em torno da evolução está associado à reprodução, e que os homossexuais tendem a não deixar descendência, seria lógico pensar que um gene para a homossexualidade seria rapidamente eliminado por selecção natural. Os biólogos evolucionistas contemporâneos têm avançado com teorias de que o factor genético que produz a homossexualidade é o subproduto de uma outra característica, altamente adaptável, que possivelmente beneficia as fêmeas e que é transmitida pelo lado materno. Crê-se que o cérebro de alguns animais, incluindo os humanos, é sexualizado num estádio pré-natal por exposição a certos níveis de várias hormonas sexuais; com base em estudos efectuados sobre ratos, foi adiantada a hipótese de a homossexualidade masculina ser provocada por uma exposição pré-natal insuficiente à testosterona.
As possibilidades hereditárias da homossexualidade têm sido consideradas até agora da mesma forma que a hereditariedade da inteligência e da criminalidade, recorrendo ao estudo de gémeos e de adoptados. Estes estudos indicaram taxas de hereditariedade que vão dos 31 aos 74% no caso dos homens, e dos 27 aos 76% no caso das mulheres. Algumas pesquisas neurofisiológicas recentes mostraram que há realmente diferenças na estrutura de três diferentes partes do cérebro entre os homens homossexuais e heterossexuais. Segundo Simon LeVay, estas diferenças são claras sobretudo no hipotálamo. Dean Hamer, investigador do National Institutes of Health, identificou um elo de ligação entre um ponto determinado do cromossoma X e a homossexualidade. Recorrendo a técnicas comuns de análise genealógica entre um grupo de homossexuais masculinos assumidos, Hamer e os seus colaboradores encontraram uma correlação estatisticamente significante entre a orientação sexual e certos marcadores genéticos da região cromossómica Xq28.
Alguns críticos levantaram quanto a estes estudos o mesmo tipo de objecções adiantadas nos casos da inteligência e da criminalidade. Qualquer que venha a ser o veredicto final, a homossexualidade, tal como a selectividade sexual masculina, existe em praticamente todas as sociedades conhecidas, pelo que seria plausível se tivesse uma base natural. Contudo, o que é interessante são as políticas em torno do tema. Ao invés do que se passa com a inteligência e o crime, onde a Esquerda atacou o princípio da hereditariedade, muitos activistas gay agarraram a oportunidade oferecida pelo gene gay, porque a ideia de uma causa genética liberta os homossexuais de responsabilidades morais quanto à sua condição. Neste caso, tinha sido a Direita a argumentar que a homossexualidade era uma opção de vida; a existência de um gene gay «provou» que a homossexualidade era como as sardas, algo contra o qual nada se pode fazer.
Este argumento faz tanto sentido como as afirmações de que a inteligência ou a criminalidade não podem ser afectadas pelo ambiente. À parte algumas perturbações provocadas por um único gene, como é o caso da doença de Huntington, os genes nunca são 100% determinantes das condições de um indivíduo, e não há razões para pensar que a existência de um gene gay signifique que a cultura, as normas, as oportunidades e outros factores não desempenham um papel na orientação sexual. O simples facto de existirem tantos bissexuais denuncia a plasticidade da orientação sexual. Se alguns pais ficarem preocupados porque um acampamento sob a orientação de um monitor gay pode levar-lhes o filho a uma experiência homossexual, o facto de o jovem não possuir o gene gay em nada deve contribuir para os aliviar.
Por outro lado, as pessoas de Direita que pensam que a homossexualidade é apenas uma questão de escolha moral do indivíduo, têm de se confrontar com a mesma realidade que as de Esquerda no que respeita à inteligência ou à identidade do género: a natureza impõe os seus limites. Um canhoto pode ser ensinado a escrever ou a comer com a mão direita, mas isso implica sempre uma luta e para eles nunca é «natural». De facto, a homossexualidade não difere da inteligência, da criminalidade ou da identidade sexual, na medida em que é uma predisposição humana em parte determinada pela hereditariedade e em parte determinada pelo ambiente e pela escolha individual. Em qualquer dos casos é possível considerar a ponderação relativa das causas genéticas e das causas sociais, mas a simples existência de um factor genético introduz na questão um elemento de controvérsia, na medida em que sugere uma limitação do agenciamento moral e das potencialidades humanas.

Photo--Illustration by Phillip Toledano for TIME


Uma das radiosas esperanças das ciências sociais do século XX era que o progresso das ciências naturais viesse a suprimir a biologia como um factor de relevo no comportamento humano. Em muitos aspectos esta esperança mostrou-se bem fundada: não existem suportes empíricos para o «racismo científico», porque as diferenças entre os grupos raciais ou étnicos, ou entre os homens e as mulheres, se revelou muito menor do que o que se acreditou logo após a teoria de Darwin sobre a evolução. Na realidade, a humanidade parece ser uma espécie particularmente homogénea, o que reforça a nossa postura moral pós-iluminista no que respeita à dignidade universal de todos os seres humanos. Contudo, algumas diferenças entre grupos permanecem, sobretudo entre os sexos, e continua a caber à biologia um papel primordial na explicação das diferenças entre os indivíduos que compõem cada população. As futuras aquisições de conhecimentos sobre a genética contribuirão apenas para aprofundar os saberes sobre as fontes genéticas do comportamento, pelo que virão certamente a desencadear novas controvérsias políticas.
O conhecimento científico da causalidade conduzirá, inevitavelmente, a investigações tecnológicas destinadas à manipulação dessa causalidade. A existência de correlações biológicas com a homossexualidade, quer se trate de androgénios pré-natais, de diferenças no campo da neurofisiologia, ou de um gene gay, deixam entrever a possibilidade de desenvolvimento de «terapias» para a homossexualidade. Esta situação cria novos e compreensíveis embaraços à Esquerda face ao seu posicionamento a favor das explicações biológicas, já que uma vez mais se encontra ameaçada a igualdade da dignidade humana.
Para melhor se perceber o problema vamos ensaiar o seguinte raciocínio: vamos assumir que, dentro de 20 anos, conseguimos perceber perfeitamente a genética da homos­sexualidade e que encontramos um processo que permite aos pais reduzirem drasticamente as possibilidades de terem filhos gay. Não está aqui em causa qualquer tipo de engenharia genética. Pode simplesmente tratar-se de uma pílula para aumentar os níveis de testosterona in utero, com a finalidade de masculinizar o cérebro do feto em desenvolvimento. Admitamos que o tratamento é barato, eficaz, não tem efeitos colaterais significativos e que pode ser receitado na esfera privada do consultório de um obstetra. Admitamos ainda que as normas sociais se transformaram no sentido de uma total aceitação da homossexualidade. Quantas serão as mulheres grávidas que irão tomar esta pílula?
Na minha opinião seriam muitas, incluindo aquelas que hoje se mostram indignadas com o que entendem ser atitudes discriminatórias contra os homossexuais. Podem ver na condição gay apenas algo tão pouco relevante como a calvície ou a baixa estatura, mas mesmo assim uma desvantagem qualitativa que, se for possível, deve ser evitada. (A maioria das pessoas quer ter descendência, o que é uma garantia para isso!) Mas qual será a situação dos homossexuais, especialmente dos que pertencem a esse grupo etário, se lhes for retirada uma convivência gay? Não será que esta forma privada de eugenia os tornará ainda mais diferentes e mais discriminados do que antes? Mais importante ainda, será que a raça humana se tornará melhor se lhe for retirada a componente homossexual? E, se tal não é óbvio, deveremos permanecer indiferentes a estas opções eugénicas apenas porque são levadas a cabo pelos progenitores e não decorrem de acções coercivas dos estados?»

Francis Fukuyama,
O nosso futuro pós-humano – consequências da revolução biotecnológica
Lisboa, Quetzal Editores, 2002, pp. 67-74
Tradução de Vítor Antunes




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Por: Valter Forastieri

A variedade de orientações sexuais pode ser explicada por fenómenos de vários níveis: genético, biológico, epigenético, psicológico e cultural. Este artigo revisa, de um ponto de vista interaccionista, a questão da evolução biológica da orientação sexual.
Também são sistematizadas as explicações de nível genético que foram propostas como explicações causais para a variedade de orientações sexuais.






Splice – Mutante
Título Original: Splice
País: Canadá
Ano: 2009
Género: Ficção Científica
Realização:  Vincenzo Natali
Interpretação: Adrien Brody, Brandon McGibbonDelphine Chanéac Sarah Polley
Argumento: Vincenzo Natali

Vincenzo Natali diz que Splice "é muito sobre o nosso futuro genético e modo como a ciência está a aproximar-se da ficção. É um filme sério e emocional. E não há sexo... Muito sexo não convencional. A peça central do filme é uma criatura que passa por um dramático processo evolutivo. O objetivo é criar algo chocante, mas também é muito subtil e totalmente credível."



“Gene Gay”: Homossexuais partilham semelhanças genéticas, o que poderia sugerir que ser gay é motivado pelo DNA




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Homossexualidade não é genética, mas surge no útero, sugere pesquisa


Um estudo publicado na The Quartery Review of Biology por um grupo internacional de cientistas mostra que nós talvez nunca encontremos um “gene gay”.

Segundo os pesquisadores, a orientação sexual não é definida pela genética, mas sim pela epigenética, ou seja, o processo no qual o DNA sofre ação de fatores externos do ambiente. E, no que diz respeito à homossexualidade, o “ambiente” é o próprio útero materno, pelo menos é o que sugere o estudo.
A Chave Epigenética
A homossexualidade poderia ser explicada pela presença de epi-marcas, segundo William Rice, professor da Universidade da Califórnia, EUA, e Urban Friberg, da Universidade Uppsala, na Suécia. Essas marcas são alavancas temporárias que podem controlar como nossos genes se expressam na gravidez e depois que nascemos.
Há marcas específicas do sexo que passam de pai para filha ou de mãe para filho, diferente de outras marcas, que não costumam passar de geração para geração e terminam “deletadas”. Isso explicaria porque a homossexualidade parece se repetir em famílias, mesmo sem que haja algum motivo genético para isso.
Os mecanismos genéticos são como camadas de informação adicionadas ao nosso DNA. As epi-marcas regulam a expressão dos genes de acordo com as pressões externas. Elas determinam o momento, o local e a quantidade em que esses genes são expressos. Além disso, elas são feitas desde a estaca zero a cada geração, apesar de evidências novas apontarem para a ocasional transferência de uma mãe para seu filho. É esse fenômeno que faz parecer que temos genes compartilhados com nossos parentes.
Masculinização e feminização
Para alcançar os resultados, os dois professores criaram um modelo biológico-matemático para mapear o papel da epigenética na homossexualidade. Para tanto, eles aplicaram a teoria evolutiva em avanços recentes na regulamentação molecular de expressão genética e desenvolvimento sexual dependente de hormônios.
Os dados foram combinados com descobertas recentes do controle epigenético da expressão de genes, principalmente em células-tronco. Com isso, os pesquisadores desenvolveram e apoiam empiricamente um modelo matemática de uma canalização baseada em epigenética, que é a tendência da hereditariedade de restringir o desenvolvimento de novas características em um ou alguns traços. O modelo previu com sucesso a evolução da homossexualidade em homens e mulheres quando epi-marcas canalizadoras passaram de geração em geração com probabilidade diferente de zero.
De acordo com a equipe que conduziu o estudo, “mudanças rastreadas na estrutura de cromatina influenciaram a taxa de transcrição dos genes (codificantes e não codificantes), incluindo reposicionamento de nucleossoma, metilação do DNA e/ou modificação das caudas das histonas, mas sem incluir mudanças na sequência de DNA”.
O modelo resultante previu que a homossexualidade pode ser produzida por herança epigenética transgeracional.
Epi-marcas sexuais são ativadas durante o desenvolvimento fetal para proteger a futura criança de variações naturais excessivas na testosterona, o que ocorre mais tarde na gravidez. Os processos epigenéticos previnem que um feto acabe adquirindo características de outros sexos quando a testosterona atinge altos níveis. Eles também trabalham para impedir que traços sexuais acabem resultando em seus opostos, o que inclui a orientação sexual.
Willian e Urban acreditam terem descoberto, essencialmente, que há epi-marcas “sexualmente antagônicas” que podem às vezes passar para a próxima geração e tornar uma prole de sexo oposto homossexual.
As regras darwinianas de seleção também atuam aqui: essas características epigenéticas podem se proliferar facilmente na população porque elas aumentam a aptidão da mãe e as protegem de variações naturais em hormônios sexuais durante o desenvolvimento do feto. Só em raros casos eles reduzem a aptidão em filhos.
O estudo completo pode ser acessado on-line em The Quarterly Review of Biologyclicando aqui!
VICTOR DE ANDRADE LOPES
http://www.jornalciencia.com/saude/corpo/2267-homossexualidade-nao-e-genetica-mas-surge-no-utero-afirma-pesquisa

quinta-feira, 17 de março de 2011

Micromachismos


Estejam ou não sensibilizadas para as questões de género, as pessoas não conseguem evitar actos e palavras que revelam laivos de sexismo. Psicólogos e outros especialistas põem a nu esses comportamentos.

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É melhor meter logo as mãos na massa e efectuar uma experiência muito simples: trata-se de pedir a dez pessoas para resolverem este enigma:
“O António viaja num carro conduzido pelo pai. De repente, o carro sofre um acidente, o pai tem morte imediata e o António, gravemente ferido, é transportado para um hospital. Ali, é logo levado para a sala de operações. Tem de ser operado de imediato, mas, ao vê-lo, o responsável pela intervenção exclama: ‘Não posso fazê-lo: é meu filho!’ Como é possível?”
Leia a resposta a esta pergunta, bem como uma análise sobre as práticas imperceptíveis de dominação em Super Interessante nº 151, Novembro 2010.




A língua portuguesa é machista?



Alguns estudiosos afirmam que a língua portuguesa é machista e apresentam pelo menos duas razões para isso: se numa sala há uma multidão de mulheres e apenas um homem, a concordância se fará no masculino plural; se uma pessoa quer agredir um homem, é a mãe dele que ela xinga; além disso, há nomes que são elogios para o homem e agressões à mulher: a um homem se pode chamar  touro ou  garanhão, mas chamar a mulher de vaca ou de égua é ofendê-la.
À primeira vista esses argumentos parecem ter fundamento. Engano.”
José Augusto Carvalho explica o seu ponto de vista sobre este assunto, na Revista Língua Portuguesa.



Os avós e o "machismo" na língua portuguesa

[Pergunta] Quase por acaso, li a pergunta e a resposta Sobre parentescos (23/04/2007). Quando fui confrontado com a mesma dúvida que a da consulente Carla Pires, respondi da mesma maneira que A. Tavares Louro, só que acrescentei: «os avós» deve ser o único caso em que um nome feminino plural engloba um masculino. Caso único na "machista" língua portuguesa.
António Pinho :: Prof. ens. sec. (aposentado) :: Viana do Castelo, Portugal

[Resposta] As línguas em que há dois géneros são normalmente "machistas", porque o género não marcado, isto é, aquele que se pressupõe geralmente, é o masculino. Por exemplo, com substantivos que tenham o mesmo radical para os dois géneros, por exemplo, gato/gata, acontece usar-se apenas o masculino quando queremos designar a espécie: falamos de um gato e não de uma gata.
No caso de avós, a intuição da língua actual levar-nos-ia a aceitar a observação do consulente. Mas historicamente os factos são outros: o "machismo" impõe-se, porque avós é a evolução do plural *aviŏlos, que em latim vulgar é o plural de aviŏlu, «avô». Sem entrar em grandes pormenores, diga-se que a relação fonética histórica entre o singular avô, «pai do pai ou da mãe», e o plural avós, «os pais do pai ou da mãe», é semelhante à existente entre novo e novos: pelo fenómeno de metafonia (assimilação à distância) o -o final do singular, muito fechado, fechou o da penúltima sílaba; no caso de aviŏlu, passou-se a avoo, com três sílabas (a-vo-o), a penúltima das quais com ó fechado, e finalmente, por contracção das duas vogais das duas últimas sílabas, ambas fechadas, chegámos a  a avô. Contudo, no plural e no feminino, não houve metafonia, e a vogal da penúltima sílaba manteve-se aberta.
A forma avós é também o feminino, que evoluiu de aviŏlas por intermédio da forma medieval e ainda hoje galega avoas. Há portanto duas palavras latinas que convergiram numa única forma, avós. A forma avôs terá aparecido posteriormente, já em português, com base no masculino avô.








por Ricardo Tavares L.

por Shaneka Green, 25/12/2007

por taboo-breaker.org