terça-feira, 29 de março de 2011

A engenharia genética a caminho dos «bebés de encomenda»


«A engenharia genética aplicada aos homens suscita de imediato a suspeita de novas práticas eugénicas, com todas as implicações morais que a expressão acarreta e, em última análise, a capacidade de modificar a natureza humana. […]



O supremo objectivo da tecnologia genética é o «bebé por encomenda». Ou seja, os cientistas conseguirão identificar o «gene para» algumas características como a inteligência, a altura, a cor do cabelo, a agressividade ou a auto-estima, trocando os menos desejáveis pelos melhores. O gene em questão pode mesmo nem provir de um ser humano. […]
A questão coloca-se, pois, deste modo: haverá circunstâncias em que as escolhas individuais no campo da biotecnologia acarretem exterioridades negativas, arrastando a sociedade como um todo para uma condição pior?
A parte terceira potencialmente mais susceptível de ser prejudicada são as crianças sujeitas a modificações genéticas, sem terem dado o seu consentimento, como é óbvio. A pre­sente legislação sobre a família assume uma comunidade de interesses entre os pais e os filhos, concedendo aos primeiros amplo espaço de manobra para decidirem sobre a educação dos segundos. De acordo com os libertários, a esmagadora maioria dos pais pretenderá o melhor para os seus filhos, o que implica da parte destes um assentimento tácito quando se trate de lhes aumentar a inteligência, melhorar o aspecto, ou outro tipo de características genéticas desejáveis. Contudo, é possível que em determinadas circunstâncias, as escolhas genéticas que parecem vantajosas aos pais possam vir a ser prejudiciais aos filhos.




Politicamente correcto
Certas características que os pais podem querer dar aos filhos podem ter a ver com elementos da personalidade cujas vantagens não sejam tão indiscutíveis como a inteligência, ou o bom aspecto físico. Os pais podem ser influenciados, quer por uma moda, quer por preconceitos culturais, quer ainda pelo politicamente correcto. Assim, uma geração pode pre­ferir raparigas extremamente magras, ou jovens machos dóceis e efeminados, ou filhos com cabelo ruivo. Tudo isto pode estar já fora de moda na geração seguinte. Pode dizer-se que já hoje os pais cometem erros em relação aos filhos, nomeadamente no que respeita à educação e à imposição dos seus próprios valores, que até podem ser bizarros. Só que uma criança que foi educada de determinada maneira pelos pais tem sempre a possibilidade de mais tarde se revoltar. A modificação genética equivale a uma tatuagem perene, inamovível que, para além de suportada pelo próprio, será ainda transmitida à sua posteridade. (Já foi aventada a possibilidade de ladear a questão do consentimento quanto à engenharia genética por recurso ao uso de cromossomas artificiais, que podem ser adicionados à herança genética normal da criança, mas que serão activados apenas quando o portador atingir a idade adequada para dar o seu consentimento. ‑ Ver Stock e Campbell, 1999, p. 11)
[…] Já estamos a recorrer às drogas psicotrópicas para transformar os nossos filhos em andróginos, administrando Prozac às raparigas depressivas e Ritalin aos rapazes hiperactivos. A próxima geração pode vir a preferir, seja qual for a razão, que os jovens sejam super-másculos e as raparigas hiperfemininas. Mas é sempre possível parar a administração das drogas se não se gostar dos resultados. O que acontece com a engenharia genética é a transferência das opções de uma geração para a geração seguinte.
Os pais podem facilmente tomar decisões erradas quanto ao futuro dos filhos, na medida em que têm de confiar nos conselhos de cientistas e de médicos que têm os seus próprios pontos de vista. O desejo de dominar a natureza humana, seja por simples ambição, ou por convicções ideológicas sobre a maneira como as pessoas deveriam ser, é algo muito comum.
No livro As Nature Made Him, o jornalista John Colapinto descreve a história confrangedora de um rapaz chamado David Reimer, que teve a dupla infelicidade de ter o pénis cauterizado durante uma circuncisão mal feita e de vir a cair mais tarde sob a alçada de um conhecido especialista de sexualidade da Universidade de Johns Hopkins, o dr. John Money. Este posicionava-se num dos extremos da controvérsia entre a natureza e a cultura, tendo sustentado ao longo de toda a sua carreira que a identidade associada ao género não era natural, mas sim construída após o nascimento. David Reimer proporcionou a Money a grande oportunidade para testar a sua teoria, tanto mais que o jovem tinha um gémeo uniovular, geneticamente idêntico, com o qual podia ser comparado. Após o incidente com a circuncisão, Money tratou da castração do rapaz e supervisionou a sua educação como uma rapariga, dando-lhe o nome de Brenda.
A vida de Brenda tornou-se um inferno, pois sabia, a despeito do que os pais e o doutor Money lhe diziam, que era um rapaz e não uma rapariga. Desde tenra idade que insistiu em urinar de pé, em vez de sentada. Mais tarde,
Alistada nos Escuteiros Femininos, Brenda sentia-se tremendamente infeliz. «Recordo-me de estar a fazer coroas de malmequeres e pensar: 'Se isto é a coisa mais interessante do escutismo feminino, o melhor é esquecer', recorda David. 'Não deixava de pensar nas coisas formidáveis que o meu irmão devia estar a fazer no seu grupo de escuteiros.' No Natal e nos aniversários, Brenda recebia bonecas, com as quais se recusava a brincar. «O que se faz com uma boneca?», lamenta-se hoje David, com uma voz carregada de recordações frustrantes. «Olha-se para a boneca. Veste-se a boneca. Despe-se a boneca. Penteia-se a boneca. É uma parvoíce! Com um automóvel, pode-se ir conduzi-lo, ir a qualquer lado. O que eu queria eram carros.» (in As Nature Made Him: The Boy Who Whas Raised as a Girl, John Colapinto, Nova Iorque, HarperCollins, 2000, p. 58)
A tentativa de forjar uma nova identidade sexual provocou tantos distúrbios emocionais quando Brenda atingiu a puberdade que ela rompeu por completo com o doutor Money e submeteu-se a uma reconstrução do sexo; presentemente, David Reimer é um homem casado e feliz.
Hoje em dia já se sabe que a diferenciação sexual começa antes do nascimento e que o cérebro dos machos humanos (como sucede com outros animais), é submetido a um processo de «masculinização» in utero quando recebem um «banho» pré-natal de testosterona. O que nesta história é digno de registo, é que Money afirmou durante cerca de 15 anos, em relatórios científicos, que tinha conseguido mudar a identidade sexual de Brenda, quando na realidade não tinha conseguido. Money recebeu aplausos generalizados pelas suas pesquisas. Os seus resultados fraudulentos foram elogiados pela feminista Kate Millet no livro Sexual Politics, pela Time e pelo New York Times, tendo sido integrados em numerosos livros, incluindo um onde eram citados como prova de que «as crianças podem ser facilmente educadas como membros do sexo oposto», e de que as poucas diferenças sexuais naturais entre os seres humanos «não são muito marcantes e podem ser elididas pela aprendizagem cultural» (citado por Colapinto, 2000, pp. 69-70).
O caso de David Reimer serve de alerta para a utilização futura da biotecnologia. Os pais de David Reimer foram movidos pelo amor ao filho e pela infelicidade que sobre ele se abatera por causa da circuncisão mal sucedida, tendo consentido num tratamento horroroso pelo qual, anos mais tarde, se vieram a sentir culpados. John Money foi movido por um misto de vaidade científica, ambição e desejo de confirmar um ponto de vista ideológico, tendo sido levado a negligenciar evidências contraditórias, e tendo trabalhado contra os interesses do seu paciente.




As normas culturais também podem induzir os pais a tomar opções que prejudiquem os filhos. Já anteriormente nos referimos ao que se passa na Ásia, com o recurso às ecografias e aos abortos para seleccionar o sexo dos descendentes. Em muitas sociedades asiáticas, o facto de se ter um filho do sexo masculino confere vantagens indiscutíveis aos pais, não só em termos de prestígio social como de segurança na velhice. Mas há um claro prejuízo para as raparigas que não chegam sequer a nascer. O desequilíbrio na proporção entre os sexos atinge os homens enquanto grupo, tornando-Ihes mais difícil encontrar companheira e enfraquecendo a sua capacidade negocial face às mulheres. Considerando que os homens solteiros são mais propensos à violência, então podemos dizer que toda a sociedade será afectada. […]

O respeito pela Natureza
Há que ter prudência no que respeita à ordem natural das coisas e não julgar que nos é possível melhorar a natureza por meio de intervenções avulsas. É uma verdade que já foi confirmada pelo ambiente: os ecossistemas são conjuntos interligados, cuja complexidade muitas vezes nos escapa; a construção de uma barragem ou a introdução de uma monocultura em determinada área introduzem rupturas invisíveis nessas ligações, destruindo o equilíbrio do sistema de forma totalmente inesperada.
O mesmo sucede com a natureza humana. Há muitos aspectos da nossa natureza que julgamos entender muito bem, ou que gostaríamos de modificar, se para isso nos fosse dada a oportunidade. No entanto, melhorar a natureza não é fácil. A evolução pode ser um processo cego, mas age de acordo com uma lógica adaptativa inexorável que promove a adequação de cada organismo ao respectivo ambiente. […]»

Francis Fukuyama,
O nosso futuro pós-humano – consequências da revolução biotecnológica
Lisboa, Quetzal Editores, 2002, pp. 122-157
Tradução de Vítor Antunes




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Por: Paula Rothman, INFO Online, 08/07/2010
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