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«A sexualidade é a terceira área na qual os conhecimentos adquiridos sobre a genética terão uma importância vital. Poucas pessoas poderão negar que a sexualidade tem profundas raízes biológicas e que, de forma ainda mais marcada do que nas diferenças raciais, muitas das diferenças entre macho e fêmea são resultantes da biologia e não da envolvente social. Os grupos humanos raciais e étnicos (a fronteira entre os dois conceitos é, por vezes, um tanto difusa) desenvolveram-se, ao fim e ao cabo, apenas durante as últimas dezenas de milhar de anos — o que não passa de um clique no relógio da evolução — mas a diferenciação sexual existe há vários milhões de anos, muito antes do surgimento dos seres humanos. Os homens e as mulheres diferem psicologicamente, geneticamente (as mulheres têm dois cromossomas X e os homens um par XY), e também a nível neurológico. Para uma determinada corrente feminista contemporânea é um dado adquirido que todas as diferenças sexuais se resumem ao corpo, e que a mente dos machos e das fêmeas é, essencialmente, idêntica. Para quem partilha esta perspectiva, todas as diferenças sexuais se transformam em diferenças de género, ou seja, em diferenças decorrentes do processo de socialização dos rapazes e das raparigas. Contudo, é altamente improvável que tal seja inteiramente verdade, e existe um ramo da biologia evolucionista que, ao longo da última geração, tem vindo a afirmar que as mentes dos machos e das fêmeas foram formatadas por exigências diferentes dentro do processo evolutivo de adaptação.
Durante os últimos 40 anos, foram inúmeros os trabalhos empíricos realizados neste campo. Em 1974, as psicólogas Eleanor Maccoby e Carol Jacklin, resumiram muito do conhecimento à data existente numa obra de grande dimensão intitulada Psychology of Sex Differences. O livro põe a ridículo certos mitos sobre a maneira como os homens diferem das mulheres, refutando a existência de provas credíveis de que os rapazes e as raparigas se distinguem no que concerne à sociabilidade, à sugestibilidade e, de uma forma mais geral, à capacidade analítica e à inteligência. Em contrapartida, alguns estudos demonstraram que, num certo número de aspectos, existem diferenças consistentes. As raparigas tendem a fruir de uma capacidade verbal superior à dos rapazes, os quais, por sua vez, são superiores na capacidade visual-espacial e na matemática, mas que se revelam muito mais agressivos.
Outra obra posterior de Maccoby, The Two Sexes, mostra como a diferenciação dos géneros se inicia na mais tenra idade. Uma grande variedade de estudos empíricos revela que os rapazes se entregam muito mais às brincadeiras físicas do que as raparigas, que tendem muito mais a estabelecer hierarquias de dominação, que são mais competitivos e que essa competitividade tende a manifestar-se mais entre grupos do que entre indivíduos. Os rapazes são fisicamente mais agressivos do que as raparigas, mas estas demonstram maior agressividade relacional (agressão por ostracismo social ou alienação). O discurso dos rapazes é diferente, centrando-se mais frequentemente sobre temáticas de violência agressiva, enquanto que o enfoque das raparigas é sobre as relações familiares. Durante a infância, e no que respeita à escolha do sexo dos parceiros de brincadeiras, tanto uns como outros parecem rigidamente programados para a segregação sexual. A maioria destas conclusões subsiste em todas as culturas. Segundo Maccoby, todas estas características permitem inferir a existência de elementos biológicos activos na definição das condutas do macho e da fêmea, para além dos factores de socialização a que são geralmente atribuídas.
Quando se aborda a questão dos genes e da homossexualidade verifica-se uma inversão de papéis no mundo da política. Em questões como os genes e a inteligência, os genes e a criminalidade e os genes e as diferenças sexuais, a Esquerda opõe-se veementemente a quaisquer explicações biológicas, procurando desvalorizar as provas de que a hereditariedade desempenha um papel de relevo em todos estes comportamentos. Quando se trata da homossexualidade, a Esquerda defende a posição contrária: a orientação sexual não depende da escolha do indivíduo nem das condicionantes sociais, é algo que nasce com a pessoa.
A homossexualidade constituiu sempre um problema especial para a biologia evolucionista. Quando se considera que tudo em torno da evolução está associado à reprodução, e que os homossexuais tendem a não deixar descendência, seria lógico pensar que um gene para a homossexualidade seria rapidamente eliminado por selecção natural. Os biólogos evolucionistas contemporâneos têm avançado com teorias de que o factor genético que produz a homossexualidade é o subproduto de uma outra característica, altamente adaptável, que possivelmente beneficia as fêmeas e que é transmitida pelo lado materno. Crê-se que o cérebro de alguns animais, incluindo os humanos, é sexualizado num estádio pré-natal por exposição a certos níveis de várias hormonas sexuais; com base em estudos efectuados sobre ratos, foi adiantada a hipótese de a homossexualidade masculina ser provocada por uma exposição pré-natal insuficiente à testosterona.
As possibilidades hereditárias da homossexualidade têm sido consideradas até agora da mesma forma que a hereditariedade da inteligência e da criminalidade, recorrendo ao estudo de gémeos e de adoptados. Estes estudos indicaram taxas de hereditariedade que vão dos 31 aos 74% no caso dos homens, e dos 27 aos 76% no caso das mulheres. Algumas pesquisas neurofisiológicas recentes mostraram que há realmente diferenças na estrutura de três diferentes partes do cérebro entre os homens homossexuais e heterossexuais. Segundo Simon LeVay, estas diferenças são claras sobretudo no hipotálamo. Dean Hamer, investigador do National Institutes of Health, identificou um elo de ligação entre um ponto determinado do cromossoma X e a homossexualidade. Recorrendo a técnicas comuns de análise genealógica entre um grupo de homossexuais masculinos assumidos, Hamer e os seus colaboradores encontraram uma correlação estatisticamente significante entre a orientação sexual e certos marcadores genéticos da região cromossómica Xq28.
Alguns críticos levantaram quanto a estes estudos o mesmo tipo de objecções adiantadas nos casos da inteligência e da criminalidade. Qualquer que venha a ser o veredicto final, a homossexualidade, tal como a selectividade sexual masculina, existe em praticamente todas as sociedades conhecidas, pelo que seria plausível se tivesse uma base natural. Contudo, o que é interessante são as políticas em torno do tema. Ao invés do que se passa com a inteligência e o crime, onde a Esquerda atacou o princípio da hereditariedade, muitos activistas gay agarraram a oportunidade oferecida pelo gene gay, porque a ideia de uma causa genética liberta os homossexuais de responsabilidades morais quanto à sua condição. Neste caso, tinha sido a Direita a argumentar que a homossexualidade era uma opção de vida; a existência de um gene gay «provou» que a homossexualidade era como as sardas, algo contra o qual nada se pode fazer.
Este argumento faz tanto sentido como as afirmações de que a inteligência ou a criminalidade não podem ser afectadas pelo ambiente. À parte algumas perturbações provocadas por um único gene, como é o caso da doença de Huntington, os genes nunca são 100% determinantes das condições de um indivíduo, e não há razões para pensar que a existência de um gene gay signifique que a cultura, as normas, as oportunidades e outros factores não desempenham um papel na orientação sexual. O simples facto de existirem tantos bissexuais denuncia a plasticidade da orientação sexual. Se alguns pais ficarem preocupados porque um acampamento sob a orientação de um monitor gay pode levar-lhes o filho a uma experiência homossexual, o facto de o jovem não possuir o gene gay em nada deve contribuir para os aliviar.
Por outro lado, as pessoas de Direita que pensam que a homossexualidade é apenas uma questão de escolha moral do indivíduo, têm de se confrontar com a mesma realidade que as de Esquerda no que respeita à inteligência ou à identidade do género: a natureza impõe os seus limites. Um canhoto pode ser ensinado a escrever ou a comer com a mão direita, mas isso implica sempre uma luta e para eles nunca é «natural». De facto, a homossexualidade não difere da inteligência, da criminalidade ou da identidade sexual, na medida em que é uma predisposição humana em parte determinada pela hereditariedade e em parte determinada pelo ambiente e pela escolha individual. Em qualquer dos casos é possível considerar a ponderação relativa das causas genéticas e das causas sociais, mas a simples existência de um factor genético introduz na questão um elemento de controvérsia, na medida em que sugere uma limitação do agenciamento moral e das potencialidades humanas.
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Uma das radiosas esperanças das ciências sociais do século XX era que o progresso das ciências naturais viesse a suprimir a biologia como um factor de relevo no comportamento humano. Em muitos aspectos esta esperança mostrou-se bem fundada: não existem suportes empíricos para o «racismo científico», porque as diferenças entre os grupos raciais ou étnicos, ou entre os homens e as mulheres, se revelou muito menor do que o que se acreditou logo após a teoria de Darwin sobre a evolução. Na realidade, a humanidade parece ser uma espécie particularmente homogénea, o que reforça a nossa postura moral pós-iluminista no que respeita à dignidade universal de todos os seres humanos. Contudo, algumas diferenças entre grupos permanecem, sobretudo entre os sexos, e continua a caber à biologia um papel primordial na explicação das diferenças entre os indivíduos que compõem cada população. As futuras aquisições de conhecimentos sobre a genética contribuirão apenas para aprofundar os saberes sobre as fontes genéticas do comportamento, pelo que virão certamente a desencadear novas controvérsias políticas.
O conhecimento científico da causalidade conduzirá, inevitavelmente, a investigações tecnológicas destinadas à manipulação dessa causalidade. A existência de correlações biológicas com a homossexualidade, quer se trate de androgénios pré-natais, de diferenças no campo da neurofisiologia, ou de um gene gay, deixam entrever a possibilidade de desenvolvimento de «terapias» para a homossexualidade. Esta situação cria novos e compreensíveis embaraços à Esquerda face ao seu posicionamento a favor das explicações biológicas, já que uma vez mais se encontra ameaçada a igualdade da dignidade humana.
Para melhor se perceber o problema vamos ensaiar o seguinte raciocínio: vamos assumir que, dentro de 20 anos, conseguimos perceber perfeitamente a genética da homossexualidade e que encontramos um processo que permite aos pais reduzirem drasticamente as possibilidades de terem filhos gay. Não está aqui em causa qualquer tipo de engenharia genética. Pode simplesmente tratar-se de uma pílula para aumentar os níveis de testosterona in utero, com a finalidade de masculinizar o cérebro do feto em desenvolvimento. Admitamos que o tratamento é barato, eficaz, não tem efeitos colaterais significativos e que pode ser receitado na esfera privada do consultório de um obstetra. Admitamos ainda que as normas sociais se transformaram no sentido de uma total aceitação da homossexualidade. Quantas serão as mulheres grávidas que irão tomar esta pílula?
Na minha opinião seriam muitas, incluindo aquelas que hoje se mostram indignadas com o que entendem ser atitudes discriminatórias contra os homossexuais. Podem ver na condição gay apenas algo tão pouco relevante como a calvície ou a baixa estatura, mas mesmo assim uma desvantagem qualitativa que, se for possível, deve ser evitada. (A maioria das pessoas quer ter descendência, o que é uma garantia para isso!) Mas qual será a situação dos homossexuais, especialmente dos que pertencem a esse grupo etário, se lhes for retirada uma convivência gay? Não será que esta forma privada de eugenia os tornará ainda mais diferentes e mais discriminados do que antes? Mais importante ainda, será que a raça humana se tornará melhor se lhe for retirada a componente homossexual? E, se tal não é óbvio, deveremos permanecer indiferentes a estas opções eugénicas apenas porque são levadas a cabo pelos progenitores e não decorrem de acções coercivas dos estados?»
Francis Fukuyama,
O nosso futuro pós-humano – consequências da revolução biotecnológica
Lisboa, Quetzal Editores, 2002, pp. 67-74
Tradução de Vítor Antunes
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Por: Valter Forastieri
A variedade de orientações sexuais pode ser explicada por fenómenos de vários níveis: genético, biológico, epigenético, psicológico e cultural. Este artigo revisa, de um ponto de vista interaccionista, a questão da evolução biológica da orientação sexual.
Também são sistematizadas as explicações de nível genético que foram propostas como explicações causais para a variedade de orientações sexuais.
Splice – Mutante
Título Original: Splice
País: Canadá
Ano: 2009
Género: Ficção Científica
Realização: Vincenzo Natali
Interpretação: Adrien Brody, Brandon McGibbon, Delphine Chanéac, Sarah Polley
Argumento: Vincenzo Natali
Vincenzo Natali diz que Splice "é muito sobre o nosso futuro genético e modo como a ciência está a aproximar-se da ficção. É um filme sério e emocional. E não há sexo... Muito sexo não convencional. A peça central do filme é uma criatura que passa por um dramático processo evolutivo. O objetivo é criar algo chocante, mas também é muito subtil e totalmente credível."
“Gene Gay”: Homossexuais partilham semelhanças genéticas, o que poderia sugerir que ser gay é motivado pelo DNA
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Homossexualidade não é genética, mas surge no útero, sugere pesquisa
Um estudo publicado na The Quartery Review of Biology por um grupo internacional de cientistas mostra que nós talvez nunca encontremos um “gene gay”.
Segundo os pesquisadores, a orientação sexual não é definida pela genética, mas sim pela epigenética, ou seja, o processo no qual o DNA sofre ação de fatores externos do ambiente. E, no que diz respeito à homossexualidade, o “ambiente” é o próprio útero materno, pelo menos é o que sugere o estudo.
A Chave Epigenética
A homossexualidade poderia ser explicada pela presença de epi-marcas, segundo William Rice, professor da Universidade da Califórnia, EUA, e Urban Friberg, da Universidade Uppsala, na Suécia. Essas marcas são alavancas temporárias que podem controlar como nossos genes se expressam na gravidez e depois que nascemos.
Há marcas específicas do sexo que passam de pai para filha ou de mãe para filho, diferente de outras marcas, que não costumam passar de geração para geração e terminam “deletadas”. Isso explicaria porque a homossexualidade parece se repetir em famílias, mesmo sem que haja algum motivo genético para isso.
Os mecanismos genéticos são como camadas de informação adicionadas ao nosso DNA. As epi-marcas regulam a expressão dos genes de acordo com as pressões externas. Elas determinam o momento, o local e a quantidade em que esses genes são expressos. Além disso, elas são feitas desde a estaca zero a cada geração, apesar de evidências novas apontarem para a ocasional transferência de uma mãe para seu filho. É esse fenômeno que faz parecer que temos genes compartilhados com nossos parentes.
Masculinização e feminização
Para alcançar os resultados, os dois professores criaram um modelo biológico-matemático para mapear o papel da epigenética na homossexualidade. Para tanto, eles aplicaram a teoria evolutiva em avanços recentes na regulamentação molecular de expressão genética e desenvolvimento sexual dependente de hormônios.
Os dados foram combinados com descobertas recentes do controle epigenético da expressão de genes, principalmente em células-tronco. Com isso, os pesquisadores desenvolveram e apoiam empiricamente um modelo matemática de uma canalização baseada em epigenética, que é a tendência da hereditariedade de restringir o desenvolvimento de novas características em um ou alguns traços. O modelo previu com sucesso a evolução da homossexualidade em homens e mulheres quando epi-marcas canalizadoras passaram de geração em geração com probabilidade diferente de zero.
De acordo com a equipe que conduziu o estudo, “mudanças rastreadas na estrutura de cromatina influenciaram a taxa de transcrição dos genes (codificantes e não codificantes), incluindo reposicionamento de nucleossoma, metilação do DNA e/ou modificação das caudas das histonas, mas sem incluir mudanças na sequência de DNA”.
O modelo resultante previu que a homossexualidade pode ser produzida por herança epigenética transgeracional.
Epi-marcas sexuais são ativadas durante o desenvolvimento fetal para proteger a futura criança de variações naturais excessivas na testosterona, o que ocorre mais tarde na gravidez. Os processos epigenéticos previnem que um feto acabe adquirindo características de outros sexos quando a testosterona atinge altos níveis. Eles também trabalham para impedir que traços sexuais acabem resultando em seus opostos, o que inclui a orientação sexual.
Willian e Urban acreditam terem descoberto, essencialmente, que há epi-marcas “sexualmente antagônicas” que podem às vezes passar para a próxima geração e tornar uma prole de sexo oposto homossexual.
As regras darwinianas de seleção também atuam aqui: essas características epigenéticas podem se proliferar facilmente na população porque elas aumentam a aptidão da mãe e as protegem de variações naturais em hormônios sexuais durante o desenvolvimento do feto. Só em raros casos eles reduzem a aptidão em filhos.
O estudo completo pode ser acessado on-line em The Quarterly Review of Biology, clicando aqui!
VICTOR DE ANDRADE LOPES
http://www.jornalciencia.com/saude/corpo/2267-homossexualidade-nao-e-genetica-mas-surge-no-utero-afirma-pesquisa
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