Como um machão de meia-idade, soldado, virou santo católico e ícone gay, séculos após séculos?
“São Sebastião” (1615), Gian Lorenzo Bernini |
San Sebastiano de Sodoma
How did Saint Sebastian die?
Arrows piereced his throat and thigh
which only knew, before that time,
the dolors of a concubine.
Arrows piereced his throat and thigh
which only knew, before that time,
the dolors of a concubine.
Near above him, hardly over,
hovered hid gold martyr's crown.
Even Mary from Her tower
of heaven leaned a little down
hovered hid gold martyr's crown.
Even Mary from Her tower
of heaven leaned a little down
and as She leaned, She raised a corner
of a cloud through which to spy.
Sweetly troubled Mary murmured
as She watched the arrows fly.
of a cloud through which to spy.
Sweetly troubled Mary murmured
as She watched the arrows fly.
And as the cup that was profaned
gave up its sweet, intemperate wine,
all the golden bells of heaven
praised an emperor's concubine.
gave up its sweet, intemperate wine,
all the golden bells of heaven
praised an emperor's concubine.
Mary, leaning from her tower
of heaven, dropped a tiny flower
but, privately, she must have wondered
if it were indeed wise to
let this boy in Paradise?
of heaven, dropped a tiny flower
but, privately, she must have wondered
if it were indeed wise to
let this boy in Paradise?
Tennessee Williams (1911-1983)
SEBASTIANVS, O SOLDADO MARTIRIZADO.
ÍCONE GAY. PORQUÊ?
Sebastianus era natural de Narbona (Gália) e foi centurião romano — capitão da primeira corte da guarda pessoal do Imperador Diocleciano. Mas, apesar do seu cargo, Sebastianus servia-se da sua posição para "trabalhar clandestinamente contra o Imperador e contra os deuses do império", difundindo a sua fé e protegendo os cristãos necessitados. Descoberto e denunciado por ter exortado dois amigos a permanecerem fiéis à fé cristã, durante uma perseguição no tempo de Diocleciano, Sebastianus negou, dizendo que, "embora fosse cristão, desejava o melhor para o Imperador e para o Império", mas não convenceu Diocleciano. Foi preso e condenado à morte, servindo de alvo aos arqueiros do exército, sendo supliciado com setas.
Tadeusz Boruta Martyrdom of St Sebastian (2008) |
Segundo a Igreja, morreu amarrado a um tronco de uma árvore, semi-despido, com o corpo crivado de flechas. Mas supõe-se que tais flechas não tenham sido a verdadeira causa da sua morte. Ao ser levado a enterrar por Santa Irene, esta, apercebendo-se porém que ele ainda estava vivo, recuperou-o, cuidando-lhe dos múltiplos ferimentos. Curado milagrosamente, dias depois Sebastianus voltou a apresentar-se diante do Imperador proclamando a sua fé, afirmando que havia ressuscitado para prestar auxílio aos cristãos perseguidos, mas foi de novo martirizado. Desta vez, Diocleciano fê-lo açoitar até morrer e foi sepultado nas catacumbas, em Roma. E foi S. Gregório Magno quem acabaria por considerar o soldado e mártir São Sebastião, como o terceiro padroeiro de Roma, depois dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo. Historicamente, o seu martírio está representado em Roma, no fim do século III ou início do século IV, a sepultura nas catacumbas e a data antiquíssima da sua festa (memória litúrgica, facultativa, a 20 de Janeiro), bem como a popularidade do seu culto desde a alta Idade Média, quando era invocado como protector contra a peste negra. O relato do seu martírio (Passio Sancti Sebastiani) seria escrito século e meio depois dos acontecimentos.
Estudos para a pintura “São Sebastião” (1520) Ticiano, o Velho (1490-1576) |
Mártir protector contra as epidemias (protege não só contra a peste, mas contra a fome-peste-e-guerra, sem que o seu mito ou história justifique essa especialização), São Sebastião tem sido, ao longo dos tempos, representado por um jovem amarrado a um tronco de árvore, sofrendo o martírio das flechas, geralmente sempre despido — a iconografia cristã nunca o representa vestido, sendo apenas ocultado e ao mesmo tempo realçado o sexo do seu corpo com uma faixa vermelha. Também se representa nas imagens do Renascimento como um adolescente guedelhudo (umas vezes com barba, outras de cara rapada, juvenil), de pé e sorridente, sem flechas e sem a árvore e, em vez de tanga, um calção com um trajo de banho actual. Nestas imagens, a sua nudez é bastante importante, na medida em que há unicamente a dita faixa a cobrir-lhe o sexo. Não existem imagens suas onde apareça vestido ou coberto com um lençol, por exemplo.
Mas, numa outra versão — e segundo as lendas medievais — Sebastianus morreu vítima de uma surra violenta, a pauladas. Tudo indica que a sua morte não foi devido ao facto de se ter convertido ao cristianismo, mas à vingança de um superior enciumado pelo facto de o Santo ter preferido os amores de um colega do mesmo exército.
Não se tem como afirmar se o Santo se deitou ou se recusou a deitar-se com o seu superior. Mas não se pode negar o grande fascínio que ele exerce sobre vários artistas, que o elevaram ao posto de ícone gay em pinturas, esculturas, romances e filmes, revelando os seus tormentos na hora da morte.
Roberto Ferri, "São Sebastião" |
A SENSUALIDADE ERÓTICA DO SANTO
A iconografia de Sebastianus — adoptado pelos homossexuais como figura arquetípica do homem martirizado por amor a um ideal (proibido) — pode ser lida simbolicamente pela sociedade dos nossos dias.
A flecha que o trespassa, enquanto instrumento, é o símbolo da penetração e de abertura; simboliza também o pensamento que conduz a luz e o órgão criador, que abre para fecundar, que desdobra para fazer a síntese... é também o traço de luz que ilumina o espaço fechado, porque o abrimos.
Nas tradições japonesas (e na civilização grega, também), a flecha associada ao arco simboliza o amor. O seu aspecto fálico é evidente: a flecha penetra no centro... Quanto ao amor, se as suas flechas são infalíveis, é porque ele começa por um olhar, semelhante a um relâmpago. O amante vê e deseja ao mesmo tempo, e este sentimento fá-lo emitir raios contínuos que atingem o objecto do seu desejo. Sebastianus, vítima da flecha como signo de dor e morte, transforma-a em iluminação que, martirizando o corpo, resgata a alma. O prazer e a dor estão presentes na representação popular de São Sebastião: a dor do martírio, o olhar do êxtase; o corpo que se contorce em dor e, assim mesmo, evoca os movimentos eróticos, sensuais, amorosos. Mas também se encontram presentes vários elementos fálicos na agonia e êxtase do Santo: as flechas, o tronco da árvore (onde ele está amarrado e no qual ampara o seu próprio corpo) e, por fim, também a teoria de que a ténue fronteira entre a intensidade do prazer orgástico e o desfalecimento erótico só pode ser comparada com uma "pequena morte". Talvez por tudo isso, nos tempos modernos, alguns sadomasoquistas tenham evocado Sebastianus.
A violência e a beleza do belo capitão da guarda pessoal de Diocleciano servem como fórmula ideal que persegue artistas e gays do mundo inteiro — ou a violência associada à sexualidade não estivesse presente na maior parte das manifestações de toda a humanidade!
Analisando bem esta questão, estes mesmos elementos podem ter um destino além do sado-masoquismo. A parafernália de instrumentos actualmente usados e solicitados numa grande parte do universo gay SM — correntes, botas, roupas de couro e outros detalhes decorativos — podem apenas traduzir um imaginário, uma fantasia, um estímulo para o prazer. Nada mais que um ritual, uma encenação erótica. E para compor essa encenação, as imagens do êxtase de São Sebastião são perfeitamente adequadas.
Por sua vez, também nos dias de hoje, a morte, a peste, a ameaça contra a vida, contra as quais os cristãos evocavam o Santo Mártir, adquire, segundo a perspectiva do fotógrafo Carlos Silva, "um significado particular para a comunidade gay no que diz respeito à inescapável evidência da Sida".
A visão do martírio de Sebastianus apresenta-se sempre repleta de sensualidade erótica. As imagens mostram o corpo de um jovem desnudado, em pose enfaticamente efeminada, e têm construído uma estética gay e um culto revelador.
Joan Sasgar (Alicante, 1953) |
Oscar Magnan, Saint Sebastian No. 1, 22" X 18", oil on board |
O MARTÍRIO DO SANTO NA HISTÓRIA DAS ARTES
O martírio do Santo foi tema pictórico do Renascimento, usado em muitas escolas e oficinas para estudar a nudez masculina pela marca de três emoções principais: juventude, beleza e morte. A conjunção destes elementos, tanto no oriente como no ocidente, indica o auge de sensualidade. Os renascentistas italianos Sodoma, Boticelli, Tiziano e Adrea Mantegna imortalizaram obras cujo tema é o martírio do soldado.
Também a partir de meados deste século, houve uma retomada do tema nas artes. Na literatura, talvez a maior expressão tenha sido a do novelista japonês Yukio Mishima, que declarou ter tomado consciência da sua homossexualidade através das intensas emoções que experimentava ao contemplar as imagens do Santo. Uma particularidade: a homossexualidade de Yukio Mishima também é do tipo militar fascizante, máscula, com fortes motivos sadomasoquistas — são muitas as fotografias em que o escritor exibe a sua musculatura de halterofilista. Por sua vez, no campo do cinema, o filme "Sebastiane", realizado em 1976 por Derek Jarman, é emblematicamente gay. O realizador explora a versão de que o Santo se recusou a amar o superior porque preferiu manter-se fiel ao seu amado amante. Como em quase todas as grandes histórias de amor: Eros e Thanatos, amor e ódio, prazer e dor, vida e morte.
“Sebastianne”, Derek Jarman (Inglaterra, 1976, 90 minutos)
No filme “Sebastiane”, Derek Jarman explora a perspectiva
de que o Santo foi morto pelo seu superior por se ter mantido fiel ao seu amante. |
SÃO SEBASTIÃO VERSUS REI DOM SEBASTIÃO
Uma relíquia de São Sebastião — um braço do divino mártir, trazido para Portugal depois do saque de Roma, no tempo de Clemente VII — foi levada numa procissão gigantesca com que Lisboa celebrou o nascimento do rei português D. Sebastião.
O jovem rei, que na sua meninice deve ter lido horas perdidas a cartilha da educação religiosa aristocrática, identificou-se com o Santo do qual herdou o nome e, sonhador e fanático, também acabou por ser flechado pelos homens da Moirama, tal como o seu modelo. Contudo, a corrente messiânica designada por sebastianismo não deriva da esperança do regresso do rei — que morreu no deserto africano —, mas do culto português do Divino Mártir, que ressuscitou para socorrer os cristãos perseguidos, como se dizia que aconteceria ao Sebastião português.
Gustaw Zemla |
Sebastianus foi, ao longo de toda a História da Arte, motivo de apaixonadas formas de expressão de pintores, escultores, cineastas e fotógrafos — desde p Renascimento e o Barroco à actualidade. Piérre & Gilles são dois dos mais conceituados e actuais fotógrafos franceses que mais se têm dedicado a fazer imagens de santos. Como não poderia deixar de ser, também eles se debruçaram sobre São Sebastião, cuja fotografia produzida não deixa de exprimir a violência e maldade do mundo, bem como a doçura e a pureza que reinava dentro do coração do soldado martirizado — imagem essa bastante conhecida, tendo já sido capa de diversas revistas internacionais. Por sua vez, também Carlos Silva quis expressar plasticamente a síntese de todos os simbolismos que caracterizam Sebastianus, tendo já levado a sua exposição a diversos locais, tais como ao Gay Pride de Lauseanne (Suíça), ao Tejo Bar (Lisboa) e, mais recentemente, à Associação Opus Gay, em Lisboa.
Fontes consultadas: Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa (Galeria dos Santos), Moisés Espírito Santo; Dicionário de Santos, Jorge Campos Tavares, Lello & Irmãos Ed.; Enciclopédia Luso-Brasileir, Verbo; Dicionário dos Símbolos; Folheto "Sebastianvs Metamorphosis", Carlos Silva; Jornal do Grupo da Bahía, Brasil.
Texto de Isidro Sousa, revista Korpus nº 8, Lisboa, 1999.
Sebastian. A3 INK, 2011 |
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Takato Yamamoto (Japão, 1960) "San Sebastian", B. Zenil
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