segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Nanette (Biografia, Comédia, 2018)


HUMOR

Hannah Gadsby: stand up ou cilada? O espectáculo que está a mudar o humor

"Nanette" chegou há pouco tempo ao Netflix. Susana Romana já o viu três vezes, recomenda-o a toda a gente e todos dizem que se fartam de chorar. Confusos? Ela também. Mas não consegue parar de ver.

 
Já li mais livros sobre comédia do que aqueles que me consigo lembrar assim de cabeça. Dos mais densos aos mais galhofeiros, do Stendhal ao Jimmy Carr. E se vos parece um tema interessante é porque nunca me viram a dar seca a pessoas em jantares, com explicações eloquentes mas indesejadas sobre o bathos ou o pay off, enquanto a pobre alma que ficou sentada ao meu lado tenta ensurdecer com recurso a muita sangria. Há um eixo comum na esmagadora maioria destes livros, independentemente do século ou do tom: o humor serve para nos apaziguar dores, dar perspetiva, curar as tormentas. Daí o provérbio velho como o tempo: “o riso é o melhor remédio”.
Hannah Gadsby, comediante australiana, discorda. Diz que é a penicilina. E depois remata com uma articulada mas violenta explicação de como o facto de moldar todas as suas experiências em pequenas tiradas cómicas lhe está a arruinar a vida. Fico em suspenso. Isto é o oposto de tudo o que aprendi e de tudo o que ensinei.
“Nanette”, o espectáculo que chegou há pouco tempo ao Netflix e fez de Gadsby uma estrela mundial, é uma pedrada no charco. Esta expressão cliché é usada geralmente com displicência, para categorizar tudo, desde óperas a hamburguerias. Mas “Nanette” muda efectivamente o paradigma do que é um solo de stand up. Mais: será mesmo isto um espectáculo de stand up? Já o vi três vezes e continuo sem saber. Todo este espectáculo é uma cilada, um canto da sereia humorístico que nos prende para depois se transformar num Adamastor visceral e dramático. Mistura piadas com autobiografia, o que está longe de ser novo. Mas fá-lo de um modo que denuncia o humor como algo que deturpa a nossa verdade e pode por isso ser perigoso.  Cilada é mesmo a palavra que melhor descreve a viagem por “Nanette”, a começar logo no título, desmontado nos primeiros instantes: Nanette é o nome de uma mulher que Hannah conheceu e achou que lhe ia render uma hora de piadas; tal não aconteceu de todo, mas o nome já estava precocemente dado.
[o trailer de “Nanette”:]

No início, a comediante faz-nos rir com piadas sobre as suas experiências como lésbica assumida numa pequena cidade da Tasmânia. Apenas para depois nos explicar que limitamo-nos a rir de uma versão abusivamente simplificada de experiências traumáticas. No início fala-nos entre risadas da vez em que um rapaz a confundiu com um homem e achou que Hannah se estava a fazer à namorada dele. Juntamo-nos a ela nas risadas. Muito mais à frente no set, quando já esquecemos esse episódio mascarado de comédia de costumes, elucida: esse rapaz acabou por a espancar e ela ficou tão tolhida pela vergonha de ser quem era que nem foi à polícia. Nós rimo-nos, com ela, da versão tosca e divertida a lápis de cera de um episódio que afinal é uma enorme pintura a óleo de dor e trauma. Se calhar, não era para rir. Culpa dela? Culpa nossa? Nós vamos à traição, porque a única pessoa que Hannah Gadsby quer parar de trair é a ela própria.
Tenho recomendado “Nanette” a toda a gente que consigo. Podem até não adorar (algumas pessoas caracterizam-no como TED Talk, e não de modo elogioso), mas é certo que levarão uma lambada no cérebro e na alma e ficarão a pensar naquilo um algum tempo.  A reacção que mais recebo de quem acede à recomendação é “fartei-me de chorar”. Estranho, num especial de comédia. Já vi pessoas serem mudadas por filmes ou por livros, acho que nunca tinha visto acontecer com stand up. “Ainda estou a pensar naquele fim”. Se o estômago embrulhado vai durar um dia, uma semana ou uma vida? Não é possível saber.
Filmado na ópera de Sidney, o espectáculo dura cerca de uma hora e dez. E é ao minuto 17 que tudo muda. Os conterrâneos de Hannah a rirem-se com as suas aventuras de coming out e ela a largar a bomba:
Acho que tenho de deixar a comédia. Este não é o melhor sítio para fazer este anúncio, pois não? (…) Mas tenho questionado esta coisa da comédia.”
Depois de um ano de reflexão, a mulher que faz aquilo há uma década depois de ter ganho um concurso de televisão quer parar. Não tem plano B, assegura. Mas já não se sente confortável naquele papel. Construiu toda carreira no humor auto depreciativo e já não o quer fazer mais. Explica que para quem se sente a viver à margem, o bota abaixo humorístico “não é humildade, é humilhação”.  Não fará mais isto nem a ela nem a quem se identifica com ela. “Se a minha carreira acabou, seja.” O público bate palmas.
[uma entrevista com Hannah Gadsby:]

A história de vida de Hannah Gadsby era terreno demasiado fértil para desperdiçar sem uma colheita artística. Natural de Smithton, uma pequena cidade no noroeste da ilha da Tasmânia, diz que teve de sair quando descobriu que era “um pouco lésbica”, algures em meados dos anos 90. Aos gays era ordenado, segundo a própria,  que “metam a SIDA numa mala e vão para o Mardi Gras!”. Até 1997, a homossexualidade era ilegal na Tasmânia. Na parte já séria de “Nanette”, Gadsby garante que quando descobriu que era lésbica, ela própria já era homofóbica. Precisou de dez anos depois de se assumir para tentar encontrar o seu lugar no mundo. Garante que o truque é parar de tentar encaixar.
A australiana é mestre não só de texto, mas especialmente da arte de bem saber manipular os sentimentos de quem a vê em palco. “Eu faço-vos tensos, esta é uma relação abusiva”. A tensão é, academicamente, a rampa de lançamento de qualquer piada. Qualquer um dos livros que li garante que o riso é causado para relaxar perante a tensão do ilógico ou inesperado. É natureza humana. Mas Hannah Gadsby não se deixa convencer por esta fórmula: “eu não tinha de inventar a tensão. Eu sou a tensão”.
Regressando à ideia de desistir, a tasmaniana confessa que o modo como conta em palco, com piadas, o momento em que se assumiu perante a mãe é um dos principais factores para a decisão. Nos seus espectáculos, congelou linhas gerais dessa experiência no seu ponto mais traumático, confundindo assim esse congelamento com o que aconteceu mesmo. Porque uma piada precisa de trauma para funcionar, para ter a tal tensão. Mas na vida fora do palco (real ou metafórico), não funciona assim, com esta sede de choque e imediatismo. “Aprendemos com a parte da história em que nos concentramos. Preciso de contar a minha história como deve ser”. Gritos. Suspiros. “Nanette” termina sem a clássica piada final antes da saída em grande de palco. Hannah Gadsby parte para cuidar da sua história. E nós ficamos do lado de cá dessa porta que se fecha.
Susana Romana (guionista e professora de escrita criativa)
 

Decore este nome: Nanette, o mais recente fenómeno Netflix

Deem o microfone certo a uma “mulher errada”. Mas preparem-se. Sobretudo se o fizerem a meio do turbilhão #MeToo. Uma “mulher errada”, como a própria se define, tem material que chegue para fazer piadas sobre ela própria. Felizmente, Hannah Gadsby sabe que os tempos não estão para auto-depreciação, ou pelo menos nem sempre – não é com as vítimas que devemos gozar, é com os agressores. E não são as mulheres que são erradas, talvez seja a comédia que o está.
A mais jovem de cinco irmãos, que sofre de perturbação de hiperatividade/défice de atenção, nasceu há 40 anos em Smithton, pequena localidade na conservadora Tasmânia, Austrália. Lésbica assumida, confortável num smoking, inteligente nas tiradas, é a mulher à frente de Nanette, o mais recente fenómeno de popularidade na Netflix, ou “Nanetteflix”, como a comediante justamente batizou.

“Aconteceu por acaso, como tudo na minha. Eu sou obra do acaso”, confessou a australiana quando em junho passou pelo talk show Late Night with Seth Meyers. Hannah andava a plantar árvores quando lesionou um pulso. Passou a recuperação a entreter os amigos, até que um deles decidiu que Hannah merecia uma “audiência mais vasta”. Gadsby acabou inscrita num concurso de comédia e o resto da história passa por uma década a participar em festivais e espetáculos de stand up. Até que uma audiência internacional se começou a render a este registo incubado nos antípodas.
Hannah passou de uma discreta humorista com participação na sitcom australiana Please Like Me para as bocas do mundo. E Nanette, que se estreou no Netflix a 19 de junho, depois de levar a melhor no irlandês Fringe Festival, de um périplo pela Austrália, e de uma digressão pelos EUA, tem tudo para continuar a alimentar o fenómeno, sempre a questionar os parâmetros do stand up.
Hoje, são uma e uma só, alinhadas na mensagem. É através de Nanette que a comediante passa em revista a atualidade e uma série de cabeças debaixo de fogo, para tensão e incómodo das plateias. De cano apontado à cultura que admite e perdoa o abuso, ataca nomes como Louis C.K:, Harvey Weinstein e Bill Clinton, numa “engenhosa acusação ao sexismo e sentimentalismo das nossas narrativas sobre os génios”, como sublinhou no The New York Times o crítico e colunista de comédia Jason Zinoman.
No limite, Nanette (o nome foi inspirado numa mulher comum com quem Hannah se cruzou) põe em sentido a própria comédia e os seus padrões e conteúdos vigentes. Não por acaso, a revista Slate cunhou o seu desempenho como “stand up tragedy”, enquanto a Vulture antevê que depois de Nanette este conceito de espetáculo nunca mais será como dantes. E para tal, em muito contribui o histórico da protagonista.
“Não tenho uma família ou um passado como a maior parte das pessoas. Portanto a relação entre o lado pessoal e político deu mesmo forma ao que Nanette é. Donald Trump foi eleito e a minha avó morreu – essas duas coisas foram um gatilho”, recordou Hannah em entrevista à revista Rolling Stone, resumindo o seu método de forma contundente – o propósito “não é elevar o riso, mas sim tirar o tapete” – e louvando a universidade e espírito democrático da comédia (“Podes vir de um contexto sócio-económico baixo como eu”.
À Rolling Stone, Gadsby resume o seu método de forma contundente – o propósito “não é elevar o riso, mas sim tirar o tapete” à plateia
É a brincar que se abordam temas bem sérios como a misoginia, a homofobia, ou até a violação corretiva de lésbicas como prática menos rara do que se pensa. Para não falar das sábias incursões no mundo da arte e na alusão a referências como Woody Allen, Roman Polanski ou Bill Cosby, referências entretanto maculadas pelo escândalo. Acredite, errado é não assistir ao programa.
 

Como a 'fúria' impulsiona a revolução da comediante Hannah Gadsby no stand-up

Em seu especial da Netflix, 'Nanette', a humorista australiana está furiosa com o setor em que trabalha: 'Se sua única responsabilidade é arrancar risadas das pessoas, se mande da televisão'.

By Katla McGlynn

A australiana Hannah Gadsby, diante de um café de Nova York alguns dias antes da estreia de seu especial...

Horas antes de meu encontro com a humorista Hannah Gadsby em um café de Manhattan chegou a notícia de que a jovem comediante australiana Eurydice Dixon tinha sido estuprada e assassinada quando voltava para casa sozinha a pé em Melbourne, depois de fazer uma apresentação em um bar.
Gadsby admitiu que estava abalada. "Eu não conhecia Eurydice, mas 12 anos atrás estava me lançando no mundo, como ela estava", escreveu no Twitter mais tarde. "Envio minhas condolências mais profundas à família dela."
Gadsby está acostumada a falar de temas dificeis e dolorosos. Seu especial mais recente de stand-up, Nanette, que estreou no Netflix no início de junho, trata de temas como o movimento #MeToo e a homofobia que ela enfrenta, como lésbica. Ao longo do dinâmico show de uma hora de duração ela se alterna entre piadas sobre a bandeira do orgulho gay e críticas declaradas a abusadores sexuais como Bill Cosby, Harvey Weinstein e até mesmo Pablo Picasso.
É engraçado, sem dúvida alguma, com alguns trechos irônicos que você pode se descobrir repetindo dias mais tarde. Mas há uma virada que obriga a plateia a ter uma nova percepção do que uma comediante é capaz de fazer sobre o palco.
A tensão oculta vem à tona na metade do especial, quando Gadsby revela que um cenário da vida real que ela havia apresentado anteriormente não teve o final feliz que ela relatou. Em vez de contar como ela supostamente ironizou a ignorância de um sujeito que, confundindo a humorista com um homem, quis bater nela por ter falado com a namorada dele, Gadsby admite que o homem na realidade a agrediu fisicamente.
Revelando a realidade de seus próprios materiais autoirônicos sobre sexualidade, gênero e violência, ela desconstrói seu próprio stand-up e ao mesmo tempo cobra ações concretas de seus pares humoristas. Em vários momentos, deixa a plateia calada, em suspense.
Gadsby está inegavelmente irada em Nanette, mas seu tom condiz com os tempos atuais.
"Eu não teria podido fazer esse trabalho sem meus dez anos de experiência anterior com comédia. Portanto, o show é o ponto culminante de minhas habilidades, meu talento e experiência – e minha fúria", disse Gadsby. "E não ficou mais fácil fazer com o passar do tempo. Como é reviver traumas? Não recomendo isso a ninguém."
Sentada num banco do lado de fora do La Colombo, no SoHo, vestida de azul marinho casual dos pés à cabeça, com óculos de sol azuis com fones pendurados no pescoço, Gadsby tomava um café gelado... Na noite anterior ela participou do Late Night With Seth Meyers. Ela acha que o show foi bom, mas não tem certeza.
"Não gosto muito de me assistir", ela admitiu. "Mas estive lá."
Nascida na Tasmânia, a humorista fez sucesso com seus shows premiados de stand-up, participações em festivais na Austrália e Europa e na série de TV australiana "Please Like Me". Agora Gadsby está começando a chegar a um público americano maior com seu especial no Netflix. Ela escolheu a cena inicial, em que ela prepara uma xícara de chá em casa, com seus dois cachorros, para fazer um contraste com sua imagem de comediante já muito conhecida.
Mas Nanette – pelo qual o New York Times descreveu Gadsby como "uma nova e importante voz no humor" – é mais do que apenas humor stand-up.
"Antes o programa inteiro era isso, não havia piadas", disse Gadsby sobre a última metade de Nanette, admitindo que encarar a apresentação inteira como uma "crítica severa nada divertida" se mostrou inviável. "Nas primeiras apresentações, eu simplesmente estava furiosa sobre o palco, deixando a plateia completamente em estado de choque. Depois disso, fui construindo as piadas em torno disso, para fazer os espectadores entenderem por que eu estava furiosa e se sentirem em segurança."
Nanette representa uma mudança grande para Gadsby, depois de uma década fazendo humor stand-up em que ela ironizava a si mesma para arrancar gargalhadas da plateia. As piadas sobre seu corpo e sua saída do armário não chegavam a captar toda sua vivência – a de ter crescido na Tasmânia, onde a própria homossexualidade era ilegal até 1997 e onde ela própria tinha vergonha de quem era e fazia críticas aos gays.
Um ano antes de montar Nanette, ela começou a refletir sobre como estava usando a plataforma pública que possui, como humorista. No ano passado, em meio à discussão sobre o casamento homossexual na Austrália, ela viu cristãos normalmente bem-intencionados se descreverem como vítimas depois de terem sido tachados de homófobos por terem se oposto à legalização do casamento gay. Gadsby começou a perceber que seu stand-up poderia virar uma plataforma poderosa para discussões sobre intolerância, sobre vítimas e acusadores, em diversos cenários.
"Percebi uma coisa: eu tinha deixado de ser vítima, porque já tinha bastante influência", ela contou. "Mas achei que eu estava sendo irresponsável, porque não estava usando minha influência corretamente – estava contrariando meus próprios interesses. Eu estava lutando para conciliar a dinâmica de poder: tinha a liberdade de expressão que é amplificada no palco do humor, tinha um público grande na Austrália, e pensei: 'o que é que estou dizendo?""
Em Nanette, Gadsby chama a atenção de outros humoristas por terem convertido Monica Lewinsky em alvo fácil de piadas nos anos 1990, mais que Bill Clinton, e sugere que a situação talvez estivesse diferente hoje se eles tivessem voltado sua atenção mais ao então presidente.
"Se os humoristas tivessem feito seu trabalho corretamente e zombado de um homem que abusou seu poder, quem sabe tivéssemos na Casa Branca hoje uma mulher de meia-idade com a experiência necessária para exercer o cargo, em vez de termos um homem que admitiu abertamente ter agredido sexualmente mulheres jovens e vulneráveis, simplesmente porque podia", ela fala no especial.
"Não podemos desfazer o que já foi feito, mas, basicamente, lanço um chamado à ação aos humoristas de hoje, para que sejam construtivos", Gadsby me disse. "Há humoristas mais preocupados com sua liberdade de expressão do que com o que diabos estão falando ao mundo."
E há também humoristas que estão fazendo tudo certo. Gadsby elogiou o especial da HBO de Tig Notaro, Bottom of Form
"Boyish Girl Interrupted", que também inclui um momento inesperado e chocante no meio, quando Notaro revela que passou por mastectomia dupla e faz o restante de seu show de topless.
Gadsby elogiou Sarah Silverman, admitindo que teve dificuldade em aceitar "alguns de seus primeiros materiais porque sou meio pudica".
"Sarah está fazendo algo incrivelmente construtivo no momento, tenho que tirar o chapéu para ela. Também curto Maria Bamford, e Margaret Cho eu sempre gostei muito porque ela denuncia mentiras", disse Gadsby. "Um dos shows que influenciou Nanette foi o da artista performática Adrienne Truscott. Ela fez um show em Edimburgo chamado 'Asking for It' em que tirou as calças sobre o palco e adaptou piadinhas sobre estupro."
Cameron Esposito segue uma linha semelhante em seu especial recente, intitulado abertamente "Rape Jokes" (Piadas sobre Estupro), que ela lançou gratuitamente em seu site na internet.
Em meio à ascensão da chamada "cultura da correção política", os humoristas discutem se têm alguma responsabilidade perante suas plateias, além de serem engraçados. Para Gadsby, nossa realidade atual significa que sim.
"Se sua única responsabilidade é arrancar risadas das pessoas, se mande da televisão", ela disse. "Se você vai difundir suas ideias tóxicas apenas porque isso é seu direito, saiba que muita gente é engraçada. Se mande. Esses mesmos homens choram quando as pessoas dizem que eles são uns merdas. E então escrevem todo um novo especial no Netflix sobre alguma crítica que receberam de pessoas no Twitter. Na realidade, são vocês, caras, que precisam criar coragem. Eu já tive gente na primeira fileira soltando ameaças de estupro. Esses caras não sabem o que é resiliência de verdade."
Que fique registrado que o ritual que Gadsby segue após seus shows para se acalmar envolve ouvir música ambiente, especificamente Red Gold Yesterday , de Luchs, ou gravações de cantos de pássaros.
Dito isto, a humorista acredita (e explica em Nanette) que, assim como o riso, a raiva possui o poder de unir as pessoas. Ela enxerga Nanette como a maneira mais construtiva de conter a fúria que sente e sugere a outros que façam a mesma coisa. Várias falas da segunda metade do show dela, especialmente quando são gritadas, soam como slogans que poderíamos ver estampados em camisetas feministas.
"Sua resiliência é sua humanidade."
"Não há nada mais forte que uma mulher ferida que se reconstruiu."
Sentada diante do café, Gadsby disse, brincando, que desde que está vivendo temporariamente em Nova York, criou um novo slogan: "A certeza é uma perversão".
Em vários momentos do especial, Gadsby fala que está abandonando o humor. Mas isso não é inteiramente verdade, se bem que ela diga que poderia aposentar-se sem arrependimentos depois de Nanette. Ela está escrevendo um livro e acha que esse será seu próximo grande trabalho. Mas vai continuar a tentar aperfeiçoar seu show, independentemente de como ele venha a ser classificado.
"Não vou desistir do palco, mas não vou seguir as regras do jogo", falou Gadsby, tomando os últimos goles de seu café. "Não vou me preocupar em saber em que estado deixei a plateia. Seja o que for que eu venha a fazer, sempre vou contar histórias com muito humor no meio, mas se a única razão de eu abrir a boca for arrancar gargalhadas das pessoas, isso não será o bastante para mim. Já há gente demais elevando a voz no mundo. Meu irmão me ofereceu trabalho na quitanda dele. Vou fazer isso. Vou sair deste mundinho assim que eu começar a me preocupar mais com minha carreira do quem com a mensagem que estou tentando passar. Vim do nada e vou voltar para lá."
03/07/2018 19:20 -03 | Atualizado 04/07/2018 12:29 -03

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