sábado, 27 de agosto de 2011

É muito bonito o meu amigo de agora

 
Kent Williams
http://www.kentwilliams.com/
http://www.indiesart.com/artist/25-kent-williams







É muito bonito o meu amigo de agora;
tem o mais belo pêlo da floresta,
e olhos onde brilha, em noite escura,
o faiscar do gelo nas alturas.
Demora-se a falar ao telefone
com a namorada, no vagar dos dias;
diz-lhe tudo o que faz, e pensa, e sente,
e ouve também, com ar inteligente,
as divertidas vidas que ela conta.
E há tantos episódios, desde o baile
dos mosquitos, no verão passado,
à recente soirée das sanguessugas,
que se distrai, e lento se espreguiça
ao sol, que lhe acentua as rugas.
Então eu subo pelo pêlo, e fico
a admirar tão sedosas harmonias;
no sussurro sem fios, que mal entendo,
colho o meu mel pequeno, e sou feliz.


António Franco Alexandre, Aracne
Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 8.






Comentário | Neste texto, o poeta confidencia-nos um episódio da sua vida passado num ambiente de alcova, aconchegante e erotizado.
O sujeito poético fala-nos do seu “amigo de agora”, de circunstância, o seu amigo colorido, que, não obstante estar comprometido com uma mulher, entrega-se ao prazer com o seu amante.
No poema, por um lado, há uma partilha das banalidades do dia (vividas e/ou imaginadas), entre o amigo e a namorada. A conversa faz-se mediada pelo telefone e, note-se, é elaborada “com ar inteligente”. Por isso, é com ironia que recebemos a afirmação “diz-lhe tudo o que faz, e pensa, e sente”. Tudo?
Por outro lado, a aproximação entre os dois amantes é apenas física, pois que o olhar do amigo, apesar de “faiscar” de desejo, não deixa de estar associado ao “gelo”. Inclusivamente, é com desprendimento que ao mesmo tempo que partilha o leito com o amante, também fala ao telefone com a namorada.

“Então eu subo pelo pêlo, e fico
a admirar tão sedosas harmonias;
no sussurro sem fios, que mal entendo,
colho o meu mel pequeno, e sou feliz.”

Triste, mesmo assim, contentar-se apenas com um “mel pequeno”. E o poeta só pode estar consciente disso, porque faz uso poético, leia-se: introspectivo, desta cena do seu quotidiano e faz de nós, leitores-espectadores, confidentes da sua vida privada. Em última análise, o poeta tenta com os leitores a comunicação que não estabelece com o seu “amigo de agora”. E nós entendemos a sua queixa velada.




O próprio António Franco Alexandre reconhece explicitamente: “Sou inteiramente clássico ao pensar que o amor, os amores (sem plural tudo isso fica idiota), são por definição ascese e criação”(in “Depoimentos para um Apeadeiro”, Apeadeiro, nº 2, Primavera de 2002, p. 25).


Aracne é um livro acerca da distância e construído sobre a distância: não só fala da distância, como se escreve e lê sobre ela.” (Distância (Lendo Aracne, de António Franco Alexandre), Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2010. Dissertação de mestrado de Raquel Rodrigues da Costa Gomes de Sousa).



 
Two Boys on a Beach no. 1, 1938
Paul Cadmus Born: New York, New York 1904 Died: Weston, Connecticut 1999
etching on paper 15 3/8 x 7 1/8 in. (39.1 x 18.1 cm)
Smithsonian American Art Museum Gift of Mr. and Mrs. Carl Feiss 1971.371






Assumir-se | Muitos rapazes e homens mais maduros fazem segredo sobre sua sexualidade por um motivo em particular que eles terão de enfrentar se o fizerem. Talvez haja muita coisa em jogo: ser expulso de casa pelos pais, ser assediado na escola por valentões, ficar em casa com medo de sair, viver com medo de perder o emprego ou medo de perder o amor e o respeito da família e dos amigos. Talvez esta pessoa seja financeiramente ou de outras maneiras dependente dos pais. E já outros rapazes não se assumiram ainda porque não chegou a hora.



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Bissexualidade | Diversos factores fazem com que a vida seja difícil para os bissexuais. Primeiro, claro está, os bissexuais são rejeitados por muitos heterossexuais que se sentem ameaçados por qualquer sexualidade que não seja a tradicional.
Segundo, são muitas vezes censurados dentro da comunidade gay. Muitos gays passaram por um período de transição em que se identificaram como bissexuais, antes de se sentirem confortáveis com a sua homossexualidade. Alguns agora acreditam - erradamente - que todos os bissexuais estão simplesmente a passar por uma etapa semelhante. O que pode conduzir a uma atitude de condescendência.
A SIDA criou um terceiro obstáculo: Os homens bissexuais são acusados de disseminarem a SIDA do gueto homossexual para o mundo heterossexual. O facto é que os heterossexuais podem contrair a SIDA através de diversas práticas, quer sexuais ou não, e podem contagiar-se tão facilmente entre eles como com os bissexuais. Uma melhor educação sobre a SIDA e praticar sexo seguro são as únicas soluções reais para este problema Na realidade, estigmatizar os bissexuais torna o problema pior, pois encoraja as pessoas a mentir em relação aos riscos que correm quanto a comportamentos que podem contribuir para a infecção por SIDA.
Esta bifobia (como tem sido denominada) magoa todos os intervenientes, não apenas os bissexuais. O movimento gay criou um ambiente melhor para os gays que se assumiram. Mas alguns gays, agora, fizeram um investimento tão forte na sua identidade gay, que ficam sem vontade de reconhecer a possibilidade da bissexualidade.

Sexo gay, um manual para homens que amam outros homens, Jack Hart
Lisboa, Zayas Editora, 1998, p.24.

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