Homossexualidade e homoerotismo na ficção de Valter Hugo Mãe
Carlos Nogueira*
A homossexualidade e o homoerotismo masculinos são dois dos temas e tópicos cujas incidências semânticas e estruturais mais se destacam em intensidade e originalidade na escrita de Valter Hugo Mãe, que em 2007 e em 2012 foi distinguido com três importantes prémios: o Prémio José Saramago, com O Remorso de Baltazar Serapião1, o Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa na categoria de melhor romance, com A Máquina de Fazer Espanhóis2, e, cumulativamente, o Grande Prémio Portugal Telecom, atribuído aos finalistas das várias categorias. N’O Filho de Mil Homens, a homossexualidade e o homoerotismo constituem uma das principais linhas efabulativas e dois dos motivos que mais suscitam considerações por parte do narrador de terceira pessoa. Mas, por desatenção, ou simplesmente por não querer abordar uma questão que é, como sabemos, muito complexa e (ainda) muito polémica, nem por isso a crítica literária tem notado a importância do tema. Sublinha‑se «o apelo da paternidade»3 e da família, a busca do outro e da felicidade, mas pouco ou nada se diz sobre a presença e os enquadramentos técnicos e ideológicos das temáticas homossexual e homoerótica neste romance.
O Filho de Mil Homens descreve e exalta o amor entre pessoas de sexos diferentes, mas não representa e celebra menos o amor homossexual. Também importa sublinhar já que o tratamento da homossexualidade e do homoerotismo neste romance não se faz ignorando ou negando a ideia generalizada de amor e de relações heterossexuais. N’O Filho de Mil Homens, o sentimento amoroso aparece primeiro do lado do masculino na relação entre Crisóstomo e Isaura, e é abordado com uma intensidade rara na literatura portuguesa. Crisóstomo vem contrariar a imagem social, que Isaura pôde comprovar na adolescência, de que a maioria dos homens tende a seduzir as mulheres unicamente com o objetivo de as levar a fazer sexo com eles. Ao contrário do primeiro sedutor de Isaura, que usou uma linguagem verbal completamente distinta das suas reais intenções, em Crisóstomo a linguagem do amor e da sedução acompanha diretamente os sentimentos e os desejos. Crisóstomo, em quem convergem muitas das características ditas femininas (questão a que voltaremos várias vezes ao longo deste artigo), não forjou uma linguagem do sentimento e do amor, da delicadeza e da entrega, para conseguir sexo e depois abandonar Isaura.
N’O Filho de Mil Homens, a intriga desenvolve‑se a partir de várias personagens, e uma delas é precisamente «O filho da Matilde»4, segundo o título do capítulo que o apresenta. Antonino não perderá em atenção do narrador para qualquer uma das outras personagens, nem sequer para a personagem que aparece em primeiro lugar, Crisóstomo, o «homem» que «chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho»5, como se lê na primeira frase do romance (que vem colocar desde o início a questão da autobiografia, já que os leitores mais atentos de Valter Hugo Mãe sabem que ele tem dito e escrito que, chegado aos quarenta anos, lamenta muito profundamente não ter um filho). Para além de em vários outros capítulos merecer tanta ou quase tanta atenção quanto a dispensada a outras personagens, Antonino será ainda objeto de atenção central em mais dois capítulos, o sétimo, «Devorar os filhos»6, e o oitavo, «Esbagoados»7.
A narração do que significa ser homossexual numa comunidade conservadora começa, sem eufemismos, no início do capítulo «O filho da Matilde», e é também já aqui que o leitor é levado a refletir sobre o que determina o olhar acusador da comunidade e sobre o que desencadeia ou explica a homossexualidade de Antonino (e a homos‑ sexualidade em geral). Vejamos as primeiras frases do capítulo «O filho da Matilde», para podermos iniciar um dialogar com algumas das teorias da homossexualidade e com as perspetivas de autores como Michel Foucault, John Thorp ou Judith Butler:
Muitos anos passados, apareceu por ali um homem maricas que vinha ver a Isaura de longe, a dizer-lhe bom dia e a sorrir. Era um homem dos que não gostavam de raparigas e precisavam de fazer de conta. […]. A vizinhança dizia, mesmo sem certezas, que era um homem com histórias horríveis, encontrado nos ermos a falar com estranhos, com outros homens, que tinha sido visto a subir as calças ao pé das águas onde os trabalhadores nadavam. Sabiam todos que tinha crescido errado, diferente dos outros rapazes, diferente das pessoas. Era como alguém incompleto das ideias8.
Ao ler aquela passagem, o leitor mais ou menos informado sentir‑se‑á induzido a convocar as suas convicções ou impressões sobre o problema, e tenderá a colocar a si mesmo a questão (essencialismo vs construcionismo): nasce‑se homossexual ou esta é uma condição que se constrói por influência do meio? Esta é, esquematicamente, a grande questão, para a qual há, permita‑se‑nos a simplificação, dois tipos de teorias. John Thorp fala nas «planophysical theories» e nas «doliophysical theories»9. As «pla‑ nophysical theories» classificam a homossexualidade como um erro da natureza, uma aberração produzida pela própria natureza, mas não de acordo com o seu grande plano10. A homossexualidade nasce porque algo falhou na relação de causa e efeito que preside a tudo quanto existe na natureza. A tradição das teorias psicoanalíticas da homossexualidade integra‑se, segundo o mesmo autor, nesta linha. A homossexualidade surge porque, por motivos como maturações incompletas ou complexos de Édipo por resolver, não se verificou o normal desenvolvimento psicológico. Nas «planophysical theories» entram também as teorias hormonais, provavelmente as mais «promissoras», como defende John Thorp, mas aqui há o obstáculo dos métodos de observação, em relação aos quais os especialistas não chegam a um acordo. Para as «doliophysical theories», a natureza determina deliberadamente a homossexualidade, integra‑a no seu grande plano, através dos subtis processos pelos quais ela consegue atingir os seus fins. Promovendo a homossexualidade numa parte da população, a natureza está a garantir a sobrevivência da espécie humana. Estamos no âmbito das teorias sociobiológicas: um gene da homossexualidade desenvolve‑se por seleção natural, com vista a um certo estado de equilíbrio.
Voltemos à transcrição do romance O Filho de Mil Homens, e fixemo‑nos na frase «Sabiam todos que tinha crescido errado, diferente dos outros rapazes, diferente das pessoas»11. Temos «crescido», não «nascido», e portanto talvez se possa começar por pensar que o texto nos vai orientar para a explicação psicoanalítica, que cabe no primeiro dos dois grupos delineados por John Thorp. Este caminho também será explorado no livro, mas não imediatamente. Primeiro, uma página e meia depois, é adiantada a hipótese geral das «planophysical theories» (em que, recordemos, cabem as teorias psicoanalíticas). A homossexualidade de Antonino é explicada através de uma analogia com um curioso comportamento sexual dos coelhos, que, às vezes, «enganados ou a fazerem‑se de espertos, esfregavam‑se macho a macho para se aliviarem. Ela bem o via. Talvez fosse um erro da natureza que se lhes impõe, porque eles nem pensariam o suficiente para o decidirem sozinhos. Os coelhos nasciam quase sem cérebro»12. A analogia continua, e ficamos a saber que Isaura se destaca da comunidade, porque, em vez de censurar acerbamente Antonino, procura compreendê‑lo: «Ela olhou para o homem e pensou que ele não teria culpa de ser como era. Talvez tivesse pouco cérebro»13. Antonino é, provavelmente, pensa Isaura, um erro da natureza, e, portanto, não deve ser responsabilizado pelas suas inclinações sexuais.
A explicação psicoanalítica é retomada mais à frente, primeiro no capítulo sete, «Devorar os filhos», assumida pela mãe de Antonino, que, viúva, se culpabiliza por tê‑lo «feito assim» e por «não encontrar solução e competir‑lhe tanto encontrar solução»14.
Ela também vê a origem do problema na morte do pai de Antonino:
Como não tinha pai, não tinha valentia.
Pensava assim Matilde. Um rapaz sem pai cresce talvez mais assustado, porque uma mulher vale menos nos sustos da vida.
O susto de um homem importa mais do que mil sustos de uma mulher15.
As teorias psicoanalíticas incluem, no seu catálogo de causas da homossexualidade, o pai, que, por estar/ser ausente ou ser fraco, não contrabalança a influência da mãe, o que vem causar confusão de género no filho. Mas estas teorias também dizem que o mesmo pai ausente ou fraco pode provocar uma identificação masculina forte, como compensação. A conclusão é óbvia: uma vez que a mesma causa pode provocar efeitos tão díspares, daqui não surge uma lei causal, e esta teoria revela‑se, por conseguinte, frágil.
No capítulo oito, «Esbagoados», a hipótese psicoanalítica é mais uma vez equacionada, agora pelo próprio Antonino e com mais desenvolvimento, num longo parágrafo em que a ausência do pai é de novo convocada. Acrescentam‑se a este outros motivos que, em conjunto, poderão ter feito de Antonino aquilo que ele é:
O Antonino achava que era maricas porque lhe faltara o pai ou talvez porque não fora à escola e não se habituara às raparigas como os rapazes comuns. Achava que em algum momento alguma coisa falhara na sua educação sentimental, certamente porque não houvera quem o levasse a ver como se fazia na distinção clara entre as coisas de menino e as coisas de menina. Se o pai não tivesse morrido, e ele ainda com seis anos mal feitos, o Antonino teria visto por perto as atitudes certas dos homens e desenvolveria uma atração pela imitação do pai, cortejando as mulheres como era lendário que o falecido cortejara Matilde16.
As teorias sobre a homossexualidade são, como se vê, insatisfatórias. Michel Foucault, com a sua Histoire de la Sexualité17, vem tornar o debate mais aberto e contribuir para a proliferação de opiniões e estudos sobre o tema. No volume I, Foucault refere o que considera ser uma mudança de perspetiva em relação à sodomia, que, de crime que potencialmente pode ser cometido por qualquer pessoa, passa a ser um ato que é a expressão de uma identidade. Nesta mudança, que se deu na ciência, em finais do século XIX, e daí passou para a jurisprudência, a sodomia deixa de estar ligada ao pecado e passa a ser mais um tipo de desvio e de perversão:
The nineteenth century homosexual became a personage, a past, a case history, and a childhood in addition to being a type of life, a life form, and a morphology, with an indiscreet anatomy and possibly a mysterious physiology. Nothing that went into his total composition was unaffected by is sexuality. It was everywhere present in him: at the root of all his actions because it was their insidious and indefinitely active principle; written immodestly on his face and body because it was a secret that always gave itself away. It was consubstantial with him, less as a habitual sin than a singular nature… Homosexuality appeared as one of the forms of sexuality when it was transposed from the practice of sodomy onto a kind of interior androgyny, a hermaphroditism of the soul. The sodomite had been a temporary aberration; the homosexual was now a species18.
A homossexualidade, que, no discurso e na prática da ciência, se transformou numa patologia (um desvio, uma perversão), teve, e continua a ter, uma expressão diferente nas atitudes e nos comportamentos da população em geral, em particular nas sociedades, nos meios e nos grupos mais conservadores. É aqui que incide o foco de O Filho de Mil Homens. A homossexualidade é considerada ainda um crime, não no sentido estrito, jurídico, mas no sentido comum da palavra (um crime contra a natureza, a sociedade, a religião); e não aparece apenas como uma patologia com a qual devem lidar a medicina e outras ciências, mas antes como uma doença que convém extirpar segundo métodos extremos (a punição, a violência e a morte). No livro são frequentes e particularmente intensas as referências à ferocidade de uma sociedade retrógrada e perversa que vê na homossexualidade um desvio inaceitável e punível com a morte:
Uma vizinha dizia à Matilde: se deus quis que o fizesse, também há-de querer que o desfaça, se assim tiver de ser. Mate-o. É um mando de deus. […] A outra perguntava: e não lhe dá nojo, a lavar-lhe as roupas e as louças. Ainda apanha doenças com isso de mexer nas porcarias do corpo dele. […] Mate-o, como se faz aos escaravelhos que nos assustam. São um nojo quando se põem aí a voar na primavera19.
Percebe‑se, naquela passagem que inicia um capítulo dedicado a Antonino, como outros temas e tópicos que também atravessam toda a escrita de Valter Hugo Mãe se cruzam com a problemática da homossexualidade (masculina): a pobreza intelectual de um povo mesquinho que se entrega à intriga e à inveja, a ideologia, a família convencional, o machismo e a hipocrisia religiosa. Como dissemos, «Devorar os filhos» é o título dado a esta parte, que antecede outro capítulo igualmente consagrado a Antonino: «Esbagoados». Matilde vive a tragédia de quem oscila entre o amor maternal e o que lhe dizem os preconceitos. Também ela castiga e humilha Antonino, a ponto de desejar matá‑lo ou esperar que ele saia de casa e nunca mais volte, mas a esperança de que o filho altere o seu comportamento nunca a abandona. A vizinha aumenta a provação de Matilde, ao dizer‑lhe que «pelas redondezas os poucos casos daqueles tinham sido tratados em modos»: «Uns racharam os filhos ao meio, outros mandaram‑nos embora espancados e sem ordens para voltar, e um homem até subiu pelo cu acima do filho uma vara grossa e pô‑lo ao dependuro para todos verem»20.
Antonino é reduzido a personagem de anedotas que animam os vizinhos, «que se riam à boca cheia, com cervejas na mão e as panças inchadas de botões a rebentar»21, como fica claro nesta passagem em que os agentes da sátira a Antonino são, por sua vez, alvo da sátira do discurso do narrador. Destituído de dignidade, perseguido, ele é rebaixado ao nível mais ínfimo da hediondez e imundície: «O Antonino, no anedotário ridículo da vizinhança, era fecal, putrefacto, morto»22. O termo «cu» identifica‑o e designa‑o por sinédoque, inscrevendo‑o tanto no campo semântico da sexualidade considerada suja e repugnante como no da coprologia pura. As «coças de morte», o baixo corporal cómico («Diziam que o Antonino não se podia sentar porque lhe doía o cu»23) e as acusações de animalidade monstruosa substituem o que os vizinhos iam prometendo uns aos outros: «Garantir que o rachavam a meio era quase como apostar entre si quem o faria e tomaria a glória de eliminar tal monstro»24. Os lugares‑comuns sobre a higiene e a estética da homossexualidade masculina entram igualmente nesta degradação caricatural de Antonino:
Também faziam a versão cor-de-rosa, na qual os homens maricas, por serem delicados, se adoçavam durante horas e enfeitavam com as penas dos pavões e depois respiravam só o perfume das flores para soltarem gases bem cheirosos. Diziam que lhes nascia veludo nas nádegas e tinham uma tabuleta a dizer pode entrar, como se fossem tão abertos que dentro do cu fizessem um salão de baile25.
Os tópicos do «cu» e do cuidado com o corpo e os adereços vêm já do primeiro romance do autor, O Nosso Reino26, apresentados na óptica do protagonista‑narrador que evoca a sua infância:
e os meus tios, pensava eu, eram maricas, como aqueles de que falava o Carlos, mas eu não sabia dessas coisas do cu. eram maricas de parecer, delicados como a Germana achava que eram os maricas, lavam-se muito e têm perfume como as senhoras, e depois não falam alto nem são parecidos com homens, parecem mais crianças como se fossem grandes, abanam-se, não param quietos. e eu até via a luz acender-se no cu deles muito periclitante, como uma luzinha muita tímida e sensível. ficava perplexo e parecia-me algo tão errado27.
Neste livro, a relação de Benjamim e Manuel com a noção de homossexualidade é desencadeada diretamente pelos preconceitos religiosos e culturais de Carlos, que reflete as perceções negativas da comunidade em relação à homossexualidade e aos comportamentos ditos efeminados. Irmão mais velho de Manuel, ele fala‑lhes, com nojo, de homens que «fazem amor pelo cu», e que, portanto, põem em causa a virilidade como valor dominante nas questões de género. Carlos refere‑se, também em termos ofensivos, à tia de Benjamim, «uma mulher tão porca que fode com todos os homens e mesmo que tenha racha para foder deixa que lhe ponham a pila no cu»28. Estas imagens influenciam imediatamente os dois rapazes, que começam a associar o «cu» e o ser «maricas» a um mal que pode atingir qualquer pessoa e a sociedade no seu todo. A homossexualidade é entendida como uma patologia própria de homens física e mentalmente doentes e contaminados, e o «cu» como o referente maior e mais pecaminoso destes homens, o signo e o símbolo da sua sujidade e fraqueza: «havia um modo de toda a gente ser maricas […], um modo porco de toda a gente querer enfiar coisas pelo cu, como se devêssemos lembrar durante o dia, e para coisas práticas de bem, que havia aquele lugar horrível no nosso corpo»29.
A visão que o narrador nos comunica da homossexualidade é, por vezes, apesar do registo literário, a de um sociólogo, antropólogo ou cronista: «Era um homem dos que não gostavam de raparigas e precisavam de fazer de conta»30. Descreve‑se o comportamento mais usado para esconder a orientação sexual que a sociedade condena, e sugere‑se a atitude que parece prevalecer um pouco por todo o mundo: permite‑se que os homossexuais existam apenas se se reduzirem à invisibilidade e à inferioridade. Se assim não for, as punições e os castigos podem ser exemplares e definitivos, como se observa nesta passagem em que o narrador comenta a atitude das autoridades policiais (e da comunidade em geral) face às agressões e aos assassinatos de homossexuais:
E quem via tinha-lhe tanto horror como desprezo. Depois ainda o queimaram, e calaram-se todos para disfarçar e não dar contas à polícia. Os polícias nem queriam saber. Se um maricas desaparecesse, eles faziam umas perguntas tolas e iam-se embora sem resistência. Era tão habitual que o povo tivesse juízo para essas decisões antigas, não importava que a lei quisesse outra coisa, porque todas as pessoas sabiam o que estava certo desde há muitos mil anos31.
Neste ponto devemos voltar a Foucault e à sua genealogia da homossexualidade. Cunhada, em finais do século XIX, no âmbito do discurso médico (nos subcampos da psiquiatria e da sexologia, mais concretamente), a palavra «homossexualidade» veio designar o que se entendia (e entende) ser um tipo específico de desvio da norma. Qualquer pessoa, em qualquer momento, podia incorrer neste desvio, que passava a ser uma patologia, uma doença grave que punha em risco toda a sociedade, quando a interrupção se tornava permanente e interferia na identidade pessoal. A ciência (a biologia, a medicina, etc.) do século XIX surge a prometer uma solução, que pode ocorrer nas vidas de indivíduos (as crianças podem ser salvas do monossexualismo) e de toda uma população (a purificação racial, que visava pôr raças, como a negra, no caminho do progresso), e alia‑se às instituições governamentais e sociais do «biopoder». Esta palavra, biopoder, é central em Foucault. Perante um problema aparentemente incontrolável como a homossexualidade, cientistas, burocratas, técnicos e reformadores sociais unem‑se e prometem uma solução aos cidadãos assustados32. Estes agentes não se limitam a dizer que este desvio será erradicado. Acrescentam, de diversas formas, que o desvio é uma ameaça não só para todos os cidadãos bons e exemplares e para as famílias como para o próprio futuro da humanidade33. A eugenia, que está, no século XIX, na ordem do dia científica, burocrática e política34, é a única resposta possível. Contudo, como nota Ladelle McWhorter no artigo Foucault’s Genealogy of Homosexuality35, se o objetivo das tecnologias normalizadoras era acabar com os desvios (como os homossexuais), o que é que explica que persistam? Foucault dá uma resposta implícita quando se refere à campanha contra a masturbação36. Diz‑nos ele que se trata de um esforço destinado deliberadamente a falhar e a recomeçar; um esforço que, ao criar estruturas sociais, discursos e pensamentos que produzem tanto poder (e prazer), constitui um pretexto para o exercício e extensão de redes biopolíticas de poder. O desvio tinha, e tem, pelo menos duas funções: permitir o estudo e o estabelecimento da «normalidade», e justificar a normalização de inúmeros sectores da sociedade37.
O Filho de Mil Homens ilustra bem o pensamento de Foucault e de estudiosos como Ladelle Mcwhorter, com quem estamos a dialogar, e Eve Sedgwick. A leitura que apresentamos acima do romance, com exemplos, não deixa dúvidas. Para o grupo, um homem como Antonino põe em risco cada pessoa, a família e mesmo a espécie humana. A existência, no século XIX, de regimes de poder/saber baseados na noção de desenvolvimento orgânico rígido explicava, pelo menos em grande parte, as ações que visavam acabar com a homossexualidade e, ao mesmo tempo, perpetuá‑la. Ainda é, no essencial, assim. Hoje, no Ocidente, não há regimes tão abertamente controladores ou disciplinadores, mas isso não nos pode levar a dizer que a invenção e a manipulação do desvio são estratégias do passado (sobretudo quando pensamos no modo deliberado como certas figuras públicas recuperam o pensamento do século XIX sobre a homossexualidade). Antonino lembra ao leitor desatento (certamente não ao atento leitor homossexual) que a homossexualidade assusta muita gente, e não lembra menos que a homofobia é um tópico recorrente dos discursos político, social, religioso e científico, às vezes com propósitos normalizadores evidentes. Eve Sedgwick observa que a homossexualidade não deixa ninguém indiferente, porque é aquilo que as pessoas, regra geral, não querem ser (ou ser identificadas com)38. É precisamente este o sentimento que os regimes mais ortodoxos exploram. Quem é homossexual vê‑se induzido a confessá‑lo e a enfrentar punições, ou a passar a vida «in silence and emotional exile from their families, neighbors, and colleagues. Those who are not homosexual are compelled to confess that they are not or to endure the punishments inflicted upon those who are»39.
Perante tal impasse, poderemos perguntar qual é a atitude mais correta: con‑ fessar, ou não, a homossexualidade, participar, ou não, no debate, e em que termos? O que observamos à nossa volta não nos aponta uma resposta definitiva: há quem, confessando‑se homossexual, se sente mais livre e vê a sua vida mudar para melhor, mas o contrário também acontece; e há quem nunca revele a sua condição, para não ser chamado diretamente de «anormal», «aberração», «imoral», ou para não ouvir epítetos mais fortes («maricas», «panasca», «paneleiro»…). Michel Foucault é, também neste ponto, perspicaz, e nota bem que todos somos produtos e instrumentos do poder que nos oprime. Seja qual for o método que escolhamos para combater a opressão, podemos estar a fornecer mais argumentos a esse poder. O que Foucault nos diz sobre os mecanismos de repressão da masturbação serve para os mecanismos de negação e de controle da homossexualidade: «they force homossexuality into closets so it can be tracked down and discovered and confessed; they enable the creation of lines of penetration into individuals’ lives; they incite discourse; and, most importantly, they maintain sexuality as an epistemological issue, as a question of truth»40. Mas esta visão não encerra nada de definitivo ou de inevitável. O que importa é criar possibilidades, abrir caminhos, escolher, perturbar o sistema de que fazemos parte como atores. Antonino, ao ser capaz de se integrar num grupo que o aceita, cumpre o seu papel de perturbação do sistema; e Crisóstomo, Camilo e Isaura, e, no final a mãe dele, não são menos ativos nesta desestabilização.
Esta solução positiva para a homossexualidade de Antonino e para os conflitos individuais e sociais que o romance expõe (família não convencional, amor de/ entre quem parecia destinado ao isolamento e ao sofrimento interior) já justificou uma argumentação apressada de alguns críticos, que querem ver n’O Filho de Mil Homens uma espécie de romance cor‑de‑rosa à Júlio Dinis. Mas não é assim (aliás, a comparação nem é a mais acertada, porque Júlio Dinis foi um grande autor). Valter Hugo Mãe fornece‑nos uma visão, ao mesmo tempo realista e otimista, das sociedades portuguesas e Ocidental, que parece cada vez mais dividida entre aqueles que aceitam a homossexualidade (a sua e a dos outros) e aqueles que a condenam mais ou menos furiosa e irracionalmente.
Recorramos, mais uma vez, a Foucault e à sua Histoire de la Sexualité, e exploremos, n’O Filho de Mil Homens, a relação entre a atividade (a «sodomia», para voltarmos ao termo que Foucault usa) e a identidade (a inscrição da homossexualidade na psique profunda da pessoa). O que acabámos de dizer, como notávamos acima, decorre da mudança de perspetiva científica, que se verificou nos finais do século XIX, em relação à homossexualidade, na opinião de Michel Foucault. Na prática, contudo, o homossexual permanecia um sodomita, um criminoso, uma aberração da natureza, abandonado pela sociedade e por Deus. É exatamente isto que se verifica n’O Filho de Mil Homens, pelo menos para a grande maioria da comunidade (porque, como veremos, o encontro de Antonino consigo mesmo, no final do romance, deve‑se, em grande parte, ao encontro com pessoas que o compreendem). Recordemos as palavras citadas acima: «Uma vizinha dizia à Matilde: se deus quis que o fizesse, também há‑de querer que o desfaça, se assim tiver de ser. Mate‑o. É um mando de deus»41. Para o grupo, Antonino não tem uma interioridade porque a sua sexualidade é desviante e inaceitável.
O livro, contudo, vai mostrar a força da psique de Antonino, e vai fazê‑lo expondo a sexualidade em ligação com os desejos, os sentimentos, as emoções e a visão do mundo da personagem. Em Antonino convergem realisticamente as pulsões sexuais e os enigmas de Eros e do Amor. A questão que Antonino tem com o seu corpo e simultaneamente com o seu espírito emerge, em dramatismo, no momento em que, aos dezassete anos, ele se masturba. Antonino não se encontra sozinho com o seu corpo e a sua mente; aflige‑o, após o ato que o narrador descreve crua e objetivamente, a perceção que ele tem de si, que equivale à perceção que os outros têm dele. O moralismo da comunidade em que ele vive impõe‑lhe um sentimento trágico da vida de que apenas se libertará muitos anos mais tarde, graças ao convívio com Crisóstomo e a renovada Isaura:
Era-lhe incompreensível o que acabara de fazer. Estava estupefacto com o seu gesto, assustado, os olhos, abertos numa vergonha sozinha, íntima, uma vergonha de si mesmo. Metera o dedo. Como se o dedo fosse algo que não podia ser, autonomizando-se, servindo de amor. Um dedo a fazer do amor de outrem. A servir de amor. Cauteloso, carinhoso, lascivo. Pensou que estava louco e zangou-se consigo mesmo repugnado e recusando aceitar ser assim, repetir tal vergonha. Uma bágoa rosto abaixo laminou-lhe a pele a ferver. A febre parou-lhe o pensamento. A vergonha parou-lhe o pensamento. O que sabia do amor parou-lhe o pensamento42.
Antonino sente‑se culpado, vil e infeliz perante a certeza de que nada sabe sobre o amor, e por isso recusa a sua sexualidade: «Além de ter medo de ficar sozinho, não sabia rigorosamente nada sobre o amor»43. Mas a personagem não consegue o que quer com a negação e a ocultação da sua identidade. Falham o recalcamento dos seus desejos sexuais e o encobrimento da sua orientação sexual através do casamento com Isaura; e continua a automarginalização e a violação dos direitos mais elementares de Antonino, que é não só rejeitado pela sociedade como agredido e, portanto, privado da sua integridade moral e física:
O homem apertou-o assim mesmo. A mão entre as pernas do rapaz como se fosse espremer-lhe o pénis até o fazer rebentar. O Antonino gritou de dor. Quando os outros se aperceberam do rapaz maricas tombado de joelhos, vieram da água como estavam e não se cobriram. Expuseram-se como machos normais, com o direito absoluto, retirando ao rapaz qualquer desculpa ou dignidade. O primeiro homem jurou que ele estava de calças arreadas a tocar-se. Dizia: estava a comer-se de nós, a pensar em nós. […] Quando o primeiro o esbofeteou, já um segundo lhe levava o pé ao peito. Pela raiva, tanto lhe pediam explicações como o esganavam44.
Valter Hugo Mãe constrói, n’O Filho de Mil Homens, uma anatomia da homossexualidade. A gestualidade e os sentimentos femininos de Antonino não se esgotam nos comentários negativos do próprio Antonino e da comunidade, que não esconde o seu desprezo e a sua repugnância; a sensualidade que o caracteriza aparece também retratada, a partir de um misto de focalização interna e tradução do narrador, em termos de força incontrolável e humana. A alienação que caracteriza os pensamentos e os comportamentos de Antonino não o priva de uma vivência erótica íntima e fugaz, que se ergue contra a ideia de anormalidade e pecado suportada pela moral judaico‑cristã (ou religiosa em geral). A resistência cerebral que Antonino oferece aos impulsos naturais, e o seu convencimento momentâneo de que os homens são «animais perigosos que nunca poderia, ou deveria, amar»45, de nada adiantam perante o seu corpo, que reclama a sua exaltação instintiva e vital:
Depois, na distracção, a certa confiança de estar bem agachado entre os arbustos permitiu-lhe ver como os corpos dos trabalhadores eram moldados à força de muita virilidade. Eram homens como árvores maciças a abrir as águas em jogos brutos, espaventando tudo com os braços e mergulhando vezes sem conta de rabo para o ar. Ficavam depois boiando como impossivelmente leves, ágeis, inertes de só beleza na superfície da água. O Antonino pôde ver como os homens eram belos na sua rudeza, como pareciam fortes para tudo, com braços largos para abraços esmagadores. E o amor parecia tão esmagador e criado pela robustez46.
A representação que o narrador nos oferece da energia erótica e sensual de Antonino é um momento de sublimação do desejo homossexual como há poucos na literatura portuguesa. Antonino vê, num breve delírio de sentidos e imagens, a sua concepção instintiva e humana de amor, desligada dos sentimentos de culpa que a sociedade puritana e repressiva lhe incute. No capítulo seguinte, Esbagoados, o erotismo desta personagem é, mais uma vez, apresentado descomplexadamente.
O desejo sexual de Antonino é canalizado para um imaginário em que entram «os sentimentos mais delicados»47 e partes de corpos masculinos que povoam o seu quotidiano. O narrador enumera primeiro estas partes junto à identificação de quem as possui: «mascarando o desejo, coleccionando numa mudez absoluta os braços do senhor do autocarro, os lábios e os dentes brancos do filho da senhora da farmácia, o rabo generoso do padre […]». Imediatamente a seguir, recupera essas partes integrando‑as numa série de ações eróticas imaginadas por Antonino durante a masturbação: «Com o tempo, Antonino aprendeu a tocar‑se recolhido, compondo na cabeça um abraço ao senhor do autocarro com um beijo no rapaz da farmácia, a mão no rabo do padre e uma declaração de amor murmurada pela voz do homem da rádio diante do azul intenso dos olhos do adolescente»48. Este cenário idealizado desfaz‑se rapidamente, e no seu lugar aparece a existência crua e as questões existenciais que Antonino não consegue resolver. A pulsão sensual e sexual permite‑lhe pensar que «poderia estar apaixonado por um desses homens», mas esse ideal de vida integral é substituído pela ideia de que «destituíra o coração de sentimentos». Sentindo «que se amava sozinho», Antonino também se odiava e via desvanecida a «glória» física e espiritual que o prazer de se tocar lhe trazia49.
Acompanhamos o sofrimento de Antonino, mas também assistimos à redenção e à reconciliação da personagem com a sua diferença sexual e com a sua identidade. Crisóstomo define o novo lugar e estatuto de Antonino, anunciando‑lhe uma vida (quase) ao mesmo nível da dos heterossexuais:
Crisóstomo dizia que talvez para os campos as pessoas fossem mais atrasadas, porque ali ao pé da água já se via de tudo e os maricas não tinham novidade nem ofereciam qualquer ameaça. Os maricas eram como gente mais colorida a alegrar os passeios. O povo podia rir-se mas não queria fazer grande caso. Só era necessário isso, não lhes fazer caso50.
Mas a exaltação da diferença e das qualidades de Antonino não se resume a esta observação sobre a mentalidade das gentes do litoral. Isaura destaca as qualidades afetivas e comportamentais de Antonino, o seu envolvimento humano com tudo o que o rodeia, a sua capacidade para chorar por si e pelos outros: «A Isaura, que mudara o mundo com o seu entusiasmo, disse que não concordava. Disse que o Antonino era o melhor ser humano de todos porque chorava e se magoava com as coisas e disse que era essencial aprender a prestar‑lhe atenção»51. A integração de Antonino numa nova vida não se faz, segundo Isaura, simplesmente porque há que ignorar ou respeitar a sua homossexualidade; essa integração faz‑se porque ele se destaca de todas as outras pessoas pela sensibilidade e pela dedicação a tudo e a todos.
Feita esta descrição comentada do erotismo e da sexualidade de Antonino, podemos reforçar o que dizíamos acima sobre a profundidade da ligação entre os sentimentos desta personagem e a sua sexualidade, que não surge como uma mera questão de gosto e de prática. Tudo aponta para uma identidade sexual profundamente enraizada no corpo e na mente de Antonino. Aqui, para vermos ainda com mais clareza a força desta identidade, convirá lembrarmos a posição de estudiosos como David M. Halperin sobre a homossexualidade. No seu célebre livro One Hundred Years of Homosexuality (1990), este autor diz‑nos que a nossa categoria da homossexualidade não inclui nenhum dos comportamentos sexuais comuns na Grécia antiga (onde tudo indica que o sexo entre cidadãos homens adultos era muito mal visto, ao contrário do sexo entre um cidadão e um rapaz ou um escravo, entre, por conseguinte, um polo ativo e outro passivo. Segundo Halperin, esta hierarquia tem uma explicação política: os cidadãos não podiam ser submissos, ao contrário do elemento passivo, que era penetrado). No artigo a que já nos referimos, John Thorp contraria esta visão com argumentos convincentes. Para ele, não há evidências que sustentem que a homossexualidade grega seria apenas uma questão de preferência sexual de tipo anatómico e mecânico. Thorp, que recorre ao exemplo do discurso de Aristófanes no Symposium de Platão, defende que é mais lógico pensarmos na homossexualidade grega antiga como um integral modo de vida (como se aceita que o é também na sociedade ocidental). Não se trata só de querer copular, mas também de partilhar o dia a dia (Symposium, 192c). Estes homens casam e têm filhos apenas por obediência aos costumes sociais (Symposium, 192b). John Thorp nota que Aristófanes diz explicitamente que o prazer sexual não pode explicar o desejo de estes homens adultos quererem estar juntos, e que as suas almas anseiam por algo que não pode ser nomeado (Symposium, 192d). Por isso, «Far from being a superficial point of taste, the homosexual desire and activity is an expression of something which lies deep in the soul — so deep that its nature is altogether unclear»52. Uma expressão, portanto, atemporal e universal, independentemente das variações contextuais e epocais, que tem uma representação perfeita, para voltarmos ao Symposium, no par Agathon e Pausanias. Das palavras ousadas de Aristófanes deduz‑se que estes dois homens, cuja relação era olhada com desconfiança, pertencem ao grupo raro e notável de homens que encontraram a sua outra metade noutros homens (Symposium 193b6). Podemos retirar daqui outras conclusões, como bem observa John Thorp, e com elas aproximar a homossexualidade grega da homossexualidade atual: «But whether such relationships should be praised or not it is at least unquestionable that they existed, that everyone knew they existed, and that they were not, in fact, approved»53.
Estamos, n’O Filho de Mil Homens, «nos universos do masculino e do feminino»54, que se definem «mas não se apartam», para recuperarmos o que o próprio Valter Hugo Mãe escreveu num texto intitulado «Pessoas». Este texto, a que podemos chamar programático, acompanha um breve opúsculo dedicado ao artista plástico José Rosinhas, que saiu para a exposição José Rosinhas. Sem Título — Obras Recentes, que decorreu entre 7 de novembro e 2 de dezembro de 2014. Com aquelas palavras, Valter Hugo Mãe está a sugerir que o masculino e o feminino são identificáveis por certos signos e sinais, por gestos, expressões, comportamentos, modos de expressão e de ver o mundo; e, ao mesmo tempo, na segunda oração («mas não se apartam»), sugere já o que nem sempre é percebido ou admitido socialmente (e que vai ser explorado ao longo do seu texto): que «A manifestação sensual dos géneros implica a conexão, o homem acolhido no território da mulher e vice‑versa, uma espécie de natureza acessória que, não sendo inelutável, se pressupõe»55.
Valter Hugo Mãe continua: nasce‑se «homem» ou «mulher», por «uma convenção da biologia», e logo a sociedade aparece a querer «catalogar definitivamente»56. Daqui se infere o que tem sido sublinhado por estudiosos como Judith Butler, que, no livro Gender Trouble (1990), afirma que o género não é natural nem inato, mas sim uma construção social que serve determinados objetivos e instituições. Entenda‑se: nasce‑se com características físicas e biológicas ditas masculinas ou femininas, mas o género é o efeito performativo de atos que, repetindo‑se continua e rigidamente, produzem a aparência de uma substância, de uma maneira natural de ser57. Em vez de serem a expressão de uma identidade (género) natural, os gestos e os atos apreendidos e repetidos criam a ilusão de um núcleo (género) estável.
Ao afirmar que «A tipificação da masculinidade e da feminilidade claudica, dá lugar a uma liberdade que a natureza, espontaneamente, impõe à biologia e à cultu‑ ra»58, Valter Hugo Mãe está também a recusar uma tipologia fixa dos géneros; e está, acima de tudo, a salientar «a raiz imaterial da identidade», a identidade como «algo sobretudo natural […], do foro da subjectividade, profundamente ligada a critérios que escapam a todas as convenções, biológicas ou sociais». Não há, para Valter Hugo Mãe, uma identidade dividida em masculino e em feminino, mas há «uma identidade natural de cada um» que «vai ser sempre uma rebeldia», «uma maneira de escapar à mesmização»59. N’O Filho de Mil Homens, Crisóstomo e o filho adotivo Camilo não obedecem aos estereótipos da masculinidade, mas é a «diferença» de Antonino que mais desestabiliza a rigidez dos géneros; e é ele, por isso, que vem chamar a atenção para os argumentos de Judith Butler e de Valter Hugo Mãe, que não aceitam a classificação de «não natural», «antinatural» ou «aberrante» imposta a quem não cabe nos estereótipos. Valter Hugo Mãe é arrojado na sua teoria dos géneros e, implicitamente, da homossexualidade. A frase, que constitui um parágrafo, «A natureza é larga, ela ordena severamente contra a biologia e contra a cultura»60, parece apontar no sentido que atribuímos às afirmações em que entram as palavras «identidade» e «natural». Se pensarmos em Antonino, talvez possamos deduzir que se sugere que há uma participação forte da natureza naquilo que ele é (enquanto homossexual). Vejamos: Antonino não se vê excluído da reconciliação das personagens com a vida através do amor e da comunhão com os outros; é acolhido incondicionalmente por Isaura e pela mãe, que «sabiam que precisavam uma da outra para serem melhores. Sabiam, já tão claramente, que juntas podiam ser muito mais felizes»: «Dizia: dona Matilde, conte sempre comigo. Conte sempre comigo para si e para a Mininha, que ao Antonino já nem que me batam o deixo na mão. É meu»61. Antonino pode então viver o esplendor da vida e realizar‑se no amor que até aqui apenas imaginava e de que se sentia irremediavelmente afastado. Ou seja: «Ele é como é»62 porque em parte nasceu assim e em parte se fez assim a partir da sua natureza mais íntima e na relação com aqueles que o aceitaram tal como ele é (e se fez). Daqui talvez possamos extrair uma conclusão: Valter Hugo Mãe está a dizer‑nos que a homossexualidade é, na sua perspetiva, uma categoria inata que não cabe ao sujeito escolher ou rejeitar. Mas o autor também nos sugere que esta categoria é, como vimos, «an historic‑discursive construct arising with biological‑political networks of power, e que «homosexual are central figures in a complex system of biopower that aims to administer sexually saturated, docile populations»63.
Continuemos a articular o romance com o texto programático de Valter Hugo Mãe, para podermos chegar a uma compreensão mais satisfatória acerca da relação entre O Filho de Mil Homens e as ideias do seu autor sobre o género, a sexualidade e a identidade (e sobre temas afins como a família, o amor ou a amizade). Antonino também não é afastado do amor enquanto ligação espiritual e carnal a uma pessoa. Percebe‑se que na nova vida de Antonino estará o desconhecido que apareceu de repente e olhou claramente para ele; o desconhecido que mais à frente sabemos ser «maricas» e que causou imediatamente uma impressão forte em Antonino, cujo pensamento e emoções o narrador nos dá a conhecer num discurso indireto livre afetivo e pitoresco. Este discurso, a que, na linguagem comum, se chama «efeminado», não aparece aqui em sentido derisório: é a linguagem distintiva de uma personagem que diz a si mesma, de modo descomplexado, o seu desejo de um corpo (ou de corpos) e de amor (ou de amores). Antonino não sabia que esse homem estava ali para o ajudar a levar o corpo morto de Gemúndio, e por isso conjetura: «Se fosse por ele, pelas alminhas, podia pegar. Não tinha preço ou tinha o preço de um pardal. Pode comprar‑me pelo preço de um pardal, pensou»64.
Primeiro violentamente marginalizado por todos e pela própria mãe, rejeitado por si mesmo, Antonino faz parte, no final do romance, do círculo dos que souberam lutar por um amor total e redentor. A sua atitude, com o acolhimento de Isaura e com a chegada do homem desconhecido, já não é a de quem não acredita em si, como ele próprio confessara a Matilde: «Disse‑lhe que era um rapaz de pouco valor, mas que estava a habituar‑se a valer pouco para não esperar nada da vida. Se não esperarmos nada, dizia ele, tudo quanto existe é abundância»65. Reconciliado consigo mesmo e com os outros, Antonino pode finalmente ser quem é, dizer o que pensa sobre o amor e emocionar‑se sem ser condenado. Antonino aparece como um «padrão único», para voltarmos ao texto «Pessoas», de Valter Hugo Mãe66. É alguém que, tendo sido menino e sendo homem, concretizou a sugestão de Valter Hugo Mãe, que se dirige a toda a sociedade nestes termos: «Tendencialmente somos meninas ou meninos. Mas não devemos nunca ser induzidos à obrigação da tipificação convencionada sob pena de impedirmos a potenciação de uma identidade muito mais superior, muito mais genuína que, em última instância, nos capacite de uma também maior felicidade»67.
Nos últimos parágrafos do romance, o narrador informa‑nos da transformação de Antonino numa cena muito sugestiva. Camilo, o rapaz (órfão, filho da anã e de pai incógnito) que Crisóstomo toma como filho, abraça Antonino, diz‑lhe «gosto muito de si», e Antonino emociona‑se e olha, «entre tantos rostos, o do homem desconhecido»68. Nada há aqui de «tipificação convencionada»69, segundo a expressão citada no parágrafo anterior. Há a assunção e a construção de uma identidade, em que o corpo, como sempre, está envolvido, mas num contexto diferente do habitual, com intervenientes improváveis (todos homens, dois deles homossexuais e os outros dois com algumas características ditas femininas: a sensibilidade, os gestos); uma construção que é fundamentalmente intersubjetiva, como procurou provar Merleau‑ Ponty, constituída por mimese e transitividade, por identificação com e contra os outros70. Na cena em que Camilo, Antonino e o homem desconhecido interagem, o eu de cada um reconhece‑se e constrói‑se na relação com os outros. Mimese, «imitação», é precisamente a palavra usada no romance: «O Crisóstomo esperou que acabasse aquele abraço e disse: amo‑te muito, filho. O Camilo imitou o pai. Achava que imitar o pai era ganhar juízo e afecto, ter o coração inteligente»71. Antonino, em particular, encontra, ou reconhece, nos outros a sua identidade. Temos nesta cena uma projeção do mundo ideal imaginado por Valter Hugo Mãe, que inclui o elogio do feminino e do masculino que contém características ditas femininas (a sensibilidade de Antonino, mas também a delicadeza de Crisóstomo e do seu filho): um mundo no qual «O que quer que sejamos […] é como uma espécie de codificação a que apenas nós diz respeito, e que, subitamente, se vê convocada para uma consciencialização, ou liberdade, que pode construir tudo outra vez»72, como se lê exatamente no final do texto «Pessoas». Um encontro improvável (usamos de novo conscientemente a palavra), um encontro entre homens, permite a Antonino (e não só) prosseguir no seu projeto, que parecia tão limitado (como é sempre relativamente limitado à partida qualquer projeto que se inscreva numa cadeia de atos habituais), de (auto)(trans)formação.
Este modo de expor a homossexualidade e o homoerotismo masculinos, para mais em articulação com a questão dos géneros, é único em toda a literatura portuguesa. N’O Filho de Mil Homens não se trata de representar sentimentos e comportamentos homossexuais a partir de personagens mais ou menos superiores ao seu tempo e livres de preconceitos e de tabus sociais, nem de ignorar ou de suavizar a gravidade do moralismo social e dos seus efeitos negativos sobre pessoas como Antonino, nem de mostrar apenas a marginalização a que a personagem homossexual é obrigada pelo grupo; trata‑se não só de acompanhar conflitos e dramas interiores e interpessoais que têm a ver diretamente com a construção de uma identidade sexual e sentimental, mas também de evidenciar a redenção da personagem através da comunhão com uma família e com um homem.
É nesta articulação que reside a grande originalidade no tratamento deste tema n’O Filho de Mil Homens: não temos só ou sobretudo a exposição do (auto)erotismo homossexual, que, aliás, nem é tão cruamente descrito como em romances de outros autores portugueses, em especial em Luiz Pacheco73 e em Rui Nunes74; nem temos só ou principalmente a insistência nos preconceitos e na fúria da comunidade em relação aos homossexuais. O narrador é não participante, mas a atenção que ele dedica a Antonino, desde a descoberta da sua natureza física e sentimental até à sua libertação enquanto pessoa, sem esquecer os diferentes tipos de violência a que é sujeito por parte da sociedade, ultrapassa o âmbito de outras perspectivas da escrita romanesca portuguesa centrada na questão homossexual e homoerótica75. Nada há de pudico nem de circunscrito nesta escrita, nem na narração e descrição do erotismo de Antonino, nem, muito menos, no horror físico e moral da comunidade em relação à homossexualidade masculina.
Quando se escrever uma obra crítica sobre as formas e os significados deste tema na ficção portuguesa que desenvolva o breve estudo de Eduardo Pitta76, e quando se ampliar a 1.ª Antologia de Literatura Homoerótica Portuguesa77, Valter Hugo Mãe será um nome a reter. E sê‑lo‑á não só pela qualidade literária mas também quer pelo modo como nos dá a ver a intensidade e a verdade da pulsão erótica homossexual, quer pelo modo como equaciona o problema dos sujeitos cuja sexualidade, dita desviante, é sobredeterminada por uma cultura repressiva em que predominam «overly narrow definitions of sexual behavior»78. Evidenciando a relação constante entre uma homossexualidade que é obrigada a esconder‑se e comportamentos de opressão e repressão, este romance torna visível algo de muito generalizado e dramático que é, no dia a dia, invisível e reprimido.
Mas os romances deste autor não interessam menos a todas as áreas que se relacionam, direta ou indiretamente, com as questões da cultura, da educação, do sexo, da sexualidade e da homofobia. Docentes de diversos graus de ensino, em particular aqueles que formam educadores, professores e outros agentes educativos, investigadores da história e dos estudos culturais, da sociologia ou da medicina encontram neste universo romanesco matéria abundante e rica que poderá ser valiosa em discussões de diverso tipo, na sala de aula e em qualquer espaço de debate formal ou informal, na preparação ou revisão de leis (como a da adoção por homossexuais), etc. Compreender o desejo e o funcionamento da homossexualidade e do masculino, aceitar que não há um modelo único e unívoco de feminilidade e de masculinidade, é contribuir para a inclusão e a igualdade, para a mudança das consciências individuais e coletivas, e para a expressão livre e dinâmica do corpo e da mente.
O romance mostra bem como vivemos num mundo que tanto valoriza e recompensa certas identidades como pune, muitas vezes brutalmente, aquelas que não se enquadram no padrão. Conceitos como «sexualidade» e «homossexualidade» não são apenas rótulos que podemos assumir ou rejeitar; são estruturas que, construídas dentro da sociedade, determinam em grande parte como cada um de nós entende o mundo e o lugar que ocupa nele. Dizer que a homossexualidade não é uma questão que mereça ser discutida é negar a realidade de inúmeras pessoas cujas experiências estão retratadas na literatura, no cinema, na arte em geral, e cada vez mais no jornalismo, com depoimentos de pessoas que se sentem perseguidas e/ou querem, simplesmente, afi mar a sua natureza ou opção sexual, para, muito simplesmente, poderem relacionar‑se como e com quem querem, em vez de serem obrigadas a esconder‑se. Além disto, a negação do tema mas também a sua discussão, como vimos, implicam toda a sociedade, não apenas a parte (que se estima ser de entre dois a dez por cento) homossexual. Uns mais do que outros, e referimo‑nos apenas aos estados ditos democráticos, os regimes políticos usaram a homossexualidade como uma estratégia de controlo de toda a sociedade. Apesar de todos os avanços civilizacionais, muitos sistemas políticos e muitos grupos que deles dependem ou deles se servem, ainda recorrem a esta prática: «Homosexual deviance disciplines not just homosexuals, but everyone. The figure of the homosexual is the perfect tool of normalizing power»79. Cabe a cada um de nós escolher a sua forma de atuação.
Numa sociedade como a portuguesa, dita de brandos costumes, parece ser tentador dizer que livros como O Filho de Mil Homens, pelo menos no que diz respeito ao tema da homossexualidade, são desnecessários. Que não é assim, prova‑o a discussão, no Parlamento português e em setores mais ou menos específicos da sociedade portuguesa, do tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo; e prova‑o a perseguição, que não raramente termina em homicídios e suicídios, de pessoas, geralmente jovens ou muito jovens, alegada ou assumidamente homossexuais. E, mesmo que o problema simplesmente não se colocasse em Portugal, isso não tornaria a abordagem do tema desnecessária ou acessória no livro, que, de resto, nem tem uma referência espacial concreta. Podemos tender a ver Portugal neste romance, mas estaremos a reduzir o alcance do livro, que é muito mais vasto, universal. Antonino representa o que para muita gente é o processo de uma vida: a construção de um corpo e de uma interioridade, de relações interpessoais e sociais.
O Filho de Mil Homens (e os outros romances do autor em que o tema da homos‑ sexualidade é também abordado, embora não centralmente) confronta o leitor com a questão, já muito gasta mas não esgotada, da origem da orientação sexual. Dito de modo simples, mais uma vez: nasce‑se homossexual ou esta é uma condição que se adquire por influência do meio social? É uma questão que envolve ciência, cultura e ideologia, e que o romance discute, não para apresentar uma resposta, mas para colocar uma questão mais abrangente e séria (que é uma resposta): por que motivo discutimos há séculos a orientação sexual do ser humano? Não se defende que é absurdo procurar saber se a homossexualidade vem de uma predisposição inata ou de condicionamentos sociais, mas sugere‑se que o que importa saber é por que motivo a sexualidade e a homossexualidade são questões tão sensíveis. O romance e Valter Hugo Mãe, como Michel Foucault, não caem na facilidade de dizer que cada homossexual deve sair do «armário», mas também não puxam ninguém para dentro dele. O Filho de Mil Homens (e Valter Hugo Mãe), como a genealogia da homossexualidade de Foucault, «explodes the closet — and leaves us with an open future»80.
Carlos Nogueira, “Homossexualidade e homoerotismo na ficção de Valter Hugo Mãe”. In: Textualidade e memória: permanência, rotura, controvérsia, edição de John Greenfield e Francisco Topa. Porto, CITCEM, 2019
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NOTAS:
* Universidade de Vigo — Cátedra José Saramago.
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2 MÃE, 2010.
3 LAGE, [s.d.]: 8.
4 MÃE, 2011: 63-73.
5 MÃE, 2011: 15.
6 MÃE, 2011: 105-116.
7 MÃE, 2011: 117-127.
8 MÃE, 2011: 65.
9 THORP, 1992: 54.
10 THORP, 1992: 54.
11 MÃE, 2011: 65.
12 MÃE, 2011: 67.
13 MÃE, 2011: 67.
14 MÃE, 2011: 108.
15 MÃE, 2011: 108.
16 MÃE, 2011: 124.
17 Vol. 1: La Volonté de Savoir, 1976. Vol. 2: L’Usage des Plaisirs, 1984. Vol. 3: Le Souci de Soi, 1984.
18 FOUCAULT, 1980: 43.
19 MÃE, 2011: 107.
20 MÃE, 2011: 107-108.
21 MÃE, 2011: 121.
22 MÃE, 2011: 121.
23 MÃE, 2011: 121.
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26 MÃE, 2004.
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31 MÃE, 2011: 108.
32 MCWHORTER, 1994: 53.
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48 MÃE, 2011: 120.
49 MÃE, 2011: 120.
50 MÃE, 2011: 207.
51 MÃE, 2011: 207.
52 THORP, 1992: 57.
53 THORP, 1992: 58.
54 MÃE, 2014: 4.
55 MÃE, 2014: 4.
56 MÃE, 2014: 4.
57 BUTLER, 1990: 33.
58 MÃE, 2014: 4.
59 MÃE, 2014: 4.
60 MÃE, 2014: 4.
61 MÃE, 2011: 245.
62 MÃE, 2014: 4.
63 MCWHORTER, 1994: 56.
64 MÃE, 2011: 241-242.
65 MÃE, 2011: 155.
66 MÃE, 2014: 4.
67 MÃE, 2014: 4.
68 MÃE, 2011: 251-252.
69 MÃE, 2014: 4.
70 MERLEAU-PONTY, 1962; MERLEAU-PONTY, 1964.
71 MÃE, 2011: 251.
72 MÃE, 2014: 4.
73 PACHECO, 1992: 31-32, 36.
74 NUNES, 2004: 60.
75 PITTA, 2003.
76 PITTA, 2000; PITTA, 2007; LOURENÇO, 2002a; LOURENÇO, 2002b; LOURENÇO, 2003; LEVY, 2010; LIMA, 2012.
77 SOUSA & TAVARES, coord., 2011.
78 HERRUP, 1999: 263.
79 MCWHORTER, 1994: 56.
80 MCWHORTER, 1994: 58.
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