Jean-Wyllys, EU FUI UMA CRIANCA VIADA, 2017-09-30 |
Jean Wyllys
EU FUI UMA CRIANÇA
VIADA
(ou: Delmasso, há crimes reais aos quais você deveria dar alguma resposta)
(ou: Delmasso, há crimes reais aos quais você deveria dar alguma resposta)
Lésbicas, gays,
bissexuais e trans não nasceram de chocadeiras. Nós também tivemos infância e
sofremos por não nos encaixarmos no padrão do menino esportista e viril ou da
menina prendada e submissa. Colecionamos histórias de violências, mas também de
afirmação, de construção daquilo que somos hoje, com orgulho.
“Crianças viadas" sim,
porque eu também fui uma delas!
Me entendi criança viada
aos 6 anos de idade, ao sofrer a primeira agressão homofóbica, mesmo sem saber
ainda o porquê. Criança viada porque, desde a infância, eu borrava as fronteiras
de gênero, gostava de desenhar, de conviver com as meninas, das coisas que a
sociedade diz que não são “de menino” e que ensina aos meninos a desprezar: o
amor, o sentimento, a empatia, o respeito pelo outro, a intimidade... Ter sido
uma criança viada é algo que vai muito além da minha orientação sexual,
entendida e assumida com a maturidade.
Foi por sensibilidade com
histórias que se parecem também à minha que Bia Leite - artista que agora vê seu
nome difamado pela boca de canalhas oportunistas - começou a transformar em
pinturas as fotos de infância de pessoas LGBT, enviadas por elas mesmas, a um
Tumblr que emprestou seu nome à série de pinturas que representa crianças viadas
reais, em momentos reais. Os quadros ganharam projeção nacional por estarem
presentes na exposição QueerMuseu, fechada após protestos de grupos
conservadores, sob a falsa acusação de apologia à pedofilia. Acusação que foi
desmentida após visita do Ministério Público, que afirmou não existir qualquer
crime ali.
Um desses quadros me foi
dado de presente por Bia, e eu fiquei muito lisonjeado, por tudo o que aquela
obra representa. É para isto que serve a arte: para nos encantar, para nos
mostrar o belo, mas também para provocar, para denunciar e para expor as
violências sofridas por todas as crianças viadas no país que mais mata LGBTs no
mundo. E as reações à obra provam que Bia foi certeira: imediatamente, os mais
dedicados à promoção dessas violências correram para associar as obras à prática
criminosa. Sequer conseguem esconder suas reais motivações. Estão expostos aos
olhares mais atentos!
Rodrigo Delmasso é
deputado distrital, função análoga à de deputado estadual no Distrito Federal.
Apadrinhado político do bispo Rodovalho, é membro da bancada de pastores
evangélicos na Câmara Legislativa, uma das bancadas mais denunciadas por
envolvimento com corrupção. Ele próprio acumula investigações por malversação de
recursos públicos quando à frente da Secretaria do Trabalho do DF. Leva ainda na
bagagem a presença de investigados pela Polícia Federal como comissionados em
seu gabinete. Delmasso também alcançou projeção nacional, mas como opositor à
lei local que pune quem comete violência homofóbica. Alega, claro, que o faz
para proteger as famílias, já que aparentemente essas "famílias" só poderão
prosperar com o sofrimento de cerca de 10% da população brasileira. Delmasso se
coloca como cúmplice dessas violências, ao preferir impedir seu
combate!
Agora, Delmasso decidiu
dar um passo a mais: à frente da CPI da pedofilia, quer convocar Bia Leite. Se
fosse uma pessoa minimamente honesta, teria ao menos lido o que dizem o Código
Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, antes de afirmar tamanha
asneira. Os artigos 240 e 241 do ECA são claros em definir o que é o objeto do
crime: "qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades
sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma
criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais". Ou seja, Delmasso
sequer pode dizer que se apoia sobre a legislação vigente. Ele não busca
justiça, não busca a proteção de direitos difusos de vítimas nem de qualquer
cidadão. Apenas atende interesses pessoais em detrimento de um conjunto de
cidadãos e cidadãs. Viola qualquer princípio ético, inscrito ou não nos códigos
das instituições do Estado de direitos. Age apenas para perseguir aqueles que
seus colegas também insistem em atacar diariamente, sejam nos espaços
legislativos, sejam nos púlpitos das igrejas. E essa canalhice não ficará
impune!
Jean Wyllys, 2017-09-30
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