segunda-feira, 2 de abril de 2012

O livro de Catulo

470 a.C.




Verânio, que eu prefiro a todos os meus amigos, ainda que fossem trezentos mil, é certo que regressaste a casa, aos teus irmãos que te adoram, à tua mãe velhinha? É certo, sim. Que notícia tão grata! Ver-te-ei são e salvo, ouvir-te-ei descrever, segundo é teu costume, os sítios, as guerras e as tribos da Ibéria e, estendendo o pescoço, beijar-te-ei os olhos e a face querida. Ó vós que sois felizes, quem há mais contente e ditoso do que eu?

Catulo (Caio Valério Catulo ‑ em latim: Gaius Valerius Catullus)
Verona, 87 ou 84 a.C. - 57 ou 54 a.C.
Catulo. Poesias. Texto estabelecido e traduzido por Agostinho da Silva
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933.

 


Veranio, de entre todos mis amigos
el primero aunque fueran muchos miles,
¿has vuelto a casa junto a tus penates,
tu anciana madre y tus buenos hermanos?
Has vuelto. ¡Para mí qué gran noticia!,
pues sano te veré y oiré de Iberia
contar historias, pueblos y lugares,
como haces siempre, y tomándote el cuello,
tu alegre boca besaré y tus ojos.
Oh, de todos los hombres más felices
¿quién más feliz que yo? ¿quién más dichoso?




Peço-te que me digas, se te não contraria, onde é o teu esconderijo; procurei-te no Campo Menor, no Circo, entre todos os livros, no sagrado templo do grande Júpiter. Ao mesmo tempo, no passeio do Grande <Pompeio>, detive todas as raparigas que, no entanto, vi ficarem de rosto sereno. E reclamava-te assim: «O meu Camério, raparigas de má raça!». Uma respondeu, mostrando o peito nu: «Aqui está escondido nestes seios rosados». Mas, em verdade, aturar-te é um trabalho de Hércules, tanto é o desdém com te negas, amigo. Não; ainda que tomasse a forma do guarda de Creta, ou que fosse levado no voo de Pégaso, ou fosse Ladas ou Perseu de pés alados, ou a ligeira parelha branca de Reso; junta-lhes mesmo os voadores heróis de pés empenados e a impetuosidade dos ventos; ainda que mos desses todos juntos não deixaria de ficar cansado até à medula e comido de fadiga por andar à tua procura, meu amigo. Diz-me onde estás, revela-o sem medo, confia, não receies a luz <do dia>. Ainda te prendem as brancas raparigas?

Se retiveres a língua na boca cerrada perderás todos os frutos do teu amor: Vénus gosta das loquelas expansivas; mas, se quiseres, deixa-te estar calado, contanto que sejas confidente do meu amor.


Catulo (Caio Valério Catulo ‑ em latim: Gaius Valerius Catullus)
Verona, 87 ou 84 a.C. - 57 ou 54 a.C.
Catulo. Poesias. Texto estabelecido e traduzido por Agostinho da Silva
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933.
  


 


Te suplico, si no es mucho pedir,
que muestres las tinieblas que te esconden.
Por ti pregunto en el Campo Menor,
por ti en el Circo y en las librerías,
por ti en el templo sagrado de Júpiter.
Amigo, en el paseo de Pompeyo
paré a la vez a todas las muchachas
aunque había en sus rostros mucha calma,
mas, con todo, ay, así te reclamaba:
« ¡Devolvedme a Camerio, mujerzuelas! ».
Y desnudando el seno dijo una:
«En mi pezón de rosa, ¡aquí se esconde!».
... Pero aguantar es ya labor de Hércules.
¿Con tal soberbia, amigo, me desdeñas?
Dime dónde has de estar, sal ya sin miedo,
entrégate a la luz con confianza.
¿Te retienen quizás niñas de leche?
Si en la boca tu lengua has sepultado
perderás del amor todos los frutos,
pues a Venus le alegran las palabras.
Aunque cierra la boca, si eso quieres,
mas dame parte al menos en tu amor.


Aquiles e o amante Pátroclo


Compadecendo-se, por fim, Zeus lança mão de outro artifício e muda-lhes para diante os órgãos genitais. […]
Ao mudar-lhes, pois, os órgãos genitais para diante, Zeus determinou que a geração humana passasse também a efetuar-se de uns para outros, mediante tais órgãos - na fêmea por intermédio do macho. E eis o que tinha em vista: se acaso o acoplamento se desse entre homem e mulher, o resultado seria procriarem e perpetuarem a espécie; se entre dois varões, haveria pelo menos a plenitude da união e, uma vez apaziguado o desejo, poderiam voltar às suas tarefas e interessar-se por outros aspetos da vida.
Dessa época longínqua data, sem dúvida alguma, a implantação do amor entre os homens - o amor que restabelece o nosso estado original e procura fazer de dois um só, curando assim a natureza humana.

Platão, Banquete, 191b-d

 

1 comentário:

João Roque disse...

Excelente este texto...