domingo, 13 de julho de 2014

Não digas a ninguém









Jaime Bayly
Título original: No se lo digas a nadie
Tradução: Ana Mafalda Tello




Breve Apresentação da obra:

Não digas a ninguém relata o percurso de um jovem homossexual que, oriundo da conservadora burguesia da capital do Perú, Lima, se deixa envolver pelo mundo da droga e prostituição. Apesar de ser a primeira obra de ficção de Jaime Bayly, o romance, já traduzido em 5 línguas, mereceu rasgados elogios por parte da crítica que sublinha, a propósito, a maturidade literária e a mestria do diálogo. Escreve, por exemplo, Mário Vargas Llosa: "Este excelente romance descreve com desenvoltura e conhecimento de causa a filosofia de vida de uma geração dominada pelo desencanto, niilismo e sensualidade".


Excertos da primeira parte da obra:

- Vamos jogar a um jogo - disse Jorge.
- Bestial - respondeu Joaquín.
Estavam na aula de Matemática. Tinham passado poucos dias desde o primeiro dia de aulas. Jorge era o único amigo que Joaquín fizera no Markham.
- O jogo é muito fácil - disse Jorge. - Tu és meu escravo e tens de me obedecer em tudo.
- Em tudo? - perguntou Joaquín, surpreendido.
- Em tudo, é claro. És o meu escravo. Eu sou o teu senhor.
- Está bem.
Falavam a sussurrar, enquanto o professor Tamayo fazia operaçÕes matemáticas no quadro.
- Agora diz-me: és o meu senhor e sou teu escravo - ordenou Jorge.
- És o meu senhor e sou teu escravo - repetiu Joaquín.
- É assim mesmo que eu gosto, escravo, Agora, quero que tires a borracha do bolso da minhas calças.
- Está bem, mas é apenas um jogo.
O jogo não desagradou a Joaquín. Achou graça à ideia de ser escravo de Jorge.
- Tens de dizer: às tuas ordens, senhor - disse Jorge.
- Às tuas ordens, senhor - repetiu Joaquín.
- Agora tira a borracha, escravo.
Joaquín meteu uma mão no bolso de Jorge. Procurou a borracha. Notou que o bolso tinha um buraco. Tocou algo suave, morno.
- Não há nenhuma borracha - disse, tirando a mão bruscamente.
- Claro que há - disse Jorge, sorrindo. - Acabas de lhe tocar.
- Aquilo não era uma borracha.
- Toca-lhe de novo, escravo.
Joaquín meteu novamente a mão no bolso de Jorge.
- Agora brinca com a minha borracha, escravo - ordenou Jorge.
Joaquín acariciou o sexo de Jorge. Sabia muito bem que não estava a mexer numa borracha.










Nessa manhã, Dioni e Joaquín foram caçar juntos e Joaquín disse que não queria caçar mais veados. Então Dioni sugeriu que caçassem pombos e Joaquín achou que era uma boa ideia. Foram até um riacho, desmontaram das mulas e deitaram-se no pasto.
- Temos de ficar caladinhos e esperar que os pombos passem por aqui para beber água - disse Dioni.
- Demoram muito? - perguntou Joaquín.
- Não - respondeu Dioni. - Ao meio-dia aparecem sempre.
Continuaram a esperar em silêncio.
- Vou fazer uma mijinha - disse Dioni.
Em seguida, pôs-se de pé, parou em frente de um arbusto e abriu a braguilha.
- Eu também - disse Joaquín.
Parou ao lado dele, abriu a braguilha e olhou para o sexo de Dioni.
- A tua pila é diferente da minha - disse-lhe, enquanto urinavam.
- Porquê? - perguntou Dioni, surpreendido.
- Porque da minha vê-se a cabecinha e da tua, não - explicou Joaquín.
Dioni olhou para o sexo de Joaquín.
- Tens razão - disse, sorrindo.
Quando acabaram de urinar, fecharam as braguilhas e deitaram-se no pasto.
- Mostra-me outra vez a tua pila - pediu Joaquín, pouco depois.
- Para quê? - perguntou Dioni.
- Só para ver.
Dioni desabotoou-se e puxou as calças para baixo.
- Posso tocar-lhe? - perguntou Joaquín.
- Não - disse Dioni. - Os homens não se tocam.
Joaquín tirou uma nota enrugada do bolso.
- Eu pago-te - disse.
Dioni guardou a nota.
- Está bem - disse.
Joaquín acariciou o sexo de Dioni, que se ergueu.
- Ora aqui está a cabecinha - disse Joaquín. - Estava escondida.
- Está bem, mas não me toques tanto - disse Dioni, ruborizando- se.
- Não gostas?
- Os homens não se tocam.
Joaquín puxou as calças para baixo e pôs-se de costas para ele.
- Enfia-ma - disse-lhe.
Dioni puxou as calças para cima e pôs-se de pé.
- Não - disse. - É melhor irmos para casa.
- Eu dou-te mais dinheiro, Dioni - insistiu Joaquín. Dioni subiu para a mula.
- Vamos regressando a casa - disse.
Essa tarde, depois do almoço, Luis Felipe disse a Joaquín que queria falar a sós com ele. Entraram os dois para o quarto de Luis Felipe.
- Fecha a porta - disse Luis Felipe, lançando um olhar irado ao filho.
Joaquín fechou a porta. Cada vez que o pai o olhava daquela maneira, como se o odiasse, as pernas tremiam-lhe.
- Dioni contou ao velho Sixto que esta manhã lhe fizeste uma mariquice - disse Luis Felipe.
Joaquín baixou os olhos e ficou calado.
- É verdade que lhe tocaste na piça? - perguntou Luis Felipe, erguendo a voz.
Joaquín não respondeu.
- É verdade? - insistiu Luis Felipe.
- Não aconteceu nada, papá - disse Joaquín, sem olhar para o pai. - Dioni é um mentiroso.
- Não acredito em ti. Dioni é incapaz de inventar uma coisa daquelas. Porra, que vergonha me fizeste passar com Sixto.
- Arregaçámos o palhacinho juntos. Foi só isso.
- Tocaste-lhe na piça? Sim ou não?
Joaquín não respondeu. O pai pregou-lhe um par de bofetões.
- A culpa é minha, que vim caçar com um maricas - disse Luis Felipe. - Tu deverias estar com a mamã, a brincar com as bonecas, porra. Agora vá para o seu quarto e não saia de lá enquanto eu não disser.
No dia seguinte, Luis Felipe e Joaquín foram caçar juntos. Era a última manhã que iam passar em El Aguerrido. Avançavam lentamente quando Luis Felipe parou a mula.
- Olha para aquele esquilito - disse, apontando para os ramos de uma árvore. - Parece um gato, porra.
- Onde está? - perguntou Joaquín.
- Ali, em cima da árvore, naquele ramo - disse Luis Felipe.
- Já o vi - disse Joaquín. - É enorme.
- Abate-o. Vamos lá ver se tens boa pontaria.
- Não vou conseguir, papá. Está muito lá em cima.
Nessa manhã, tinham saído sem guias. Cada um estava escarranchado numa mula.
- Atira, homem - insistiu Luis Felipe.
- A mamã diz que é pecado mortal matar animais - disse Joaquín.
- Velha idiota - disse Luis Felipe. - Não acredites em beatices.
Joaquín puxou da carabina e fez pontaria ao esquilo.
- Se calhar é mãe e tem filhotes - disse.
- Dispara - disse Luis Felipe. - Depois perguntamos-lhe.
Joaquín disparou. O esquilo chiou e caiu no solo.
- Boa, porra - gritou Luis Felipe, a sorrir. - Vê-se bem que és meu filho.
Desmontaram e deram com o esquilo morto.
- Esquilito, o meu filho quer saber se deixas orfãozinhos - disse Luis Felipe; e soltou uma gargalhada.
Um pouco antes de a noite cair, Luis Felipe e Joaquín meteram as malas no carro e despediram-se de Xisto, Marita e Dioni. Nos três dias que haviam passado em el Aguerrido, Luis Felipe não avistara um único veado. Apenas matara uns quantos pombos.
- Foi um prazer tê-lo cá de volta em El Aguerrido, Sr. Camino - disse Sixto.
- O prazer foi meu - disse Luis Felipe. E abraçou Sixto.
- Quem diria que Joaquín ia ser o único a caçar um veado? - disse Sixto, sorrindo.
- Veado e esquilo - disse Luis Felipe.
Joaquín estendeu a mão a Sixto.
- Muito obrigado, Sr. Sixto - disse.
- Prazer em conhecer-te, rapaz - disse Sixto. - Volta em breve.
Então Joaquín estendeu a mão a Dioni.
- Se lutarmos outra vez, aposto que te ganho - disse-lhe.
Dioni e Joaquín não se falavam desde o incidente no riacho.
- Já te limpo o sebo - disse Dioni, muito seguro de si.
- Ah, porra, desta vez é que é - disse Luis Felipe, entusiasmado.
- Joaquín quer a desforra - disse Sixto.
- Quem começa? - perguntou Luis Felipe.
Em seguida, abriu a carteira e retirou uma nota.
- O vencedor recebe 1000 soles - disse.
- A sério que querem lutar? - perguntou Sixto, surpreendido.
- É - disse Joaquín.
- Estou preparado - disse Dioni, esfregando as mãos com terra.
- Vá, então vou contar até três - disse Luis Felipe.
Então, antes que o pai acabasse de contar, Joaquín aproximou-se rapidamente de Dioni, deu-lhe um pontapé nos testículos e derrubou-o. A seguir, enterrou-lhe um joelho no estômago e deu-lhe um murro na cara.
- Isto é para não seres maricas - disse-lhe.


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