Tu brincas com Eros, ó implacável
Déspota, e as ninfas tu animas,
De azul pupila, e rubros elos
De Afrodite. Ambulas, entretanto,
em píncaros de sombra, em montes
De lá, que escutes meu chamado:
De Cleobulo, ó Dioniso,
Ah faz com que ele seja meu amado.
Déspota, e as ninfas tu animas,
De azul pupila, e rubros elos
De Afrodite. Ambulas, entretanto,
em píncaros de sombra, em montes
De lá, que escutes meu chamado:
De Cleobulo, ó Dioniso,
Ah faz com que ele seja meu amado.
Anacreonte, frg. 2D
(Tradução de Frederico Lourenço, Poesia grega - de Álcman a Teócrito.
Lisboa: Cotovia, 2006)
Por
Cleobulo estou apaixonado,
por Cleobulo estou louco de amor,
para Cleobulo não me canso de olhar.
por Cleobulo estou louco de amor,
para Cleobulo não me canso de olhar.
Anacreonte, frg. 359
PMG (idem, p.
56)
Homem muito homem fui,
e homem por mulheres! – nunca tive inclinação pra aos vícios desencontrados.
Repilo o que, o sem preceito. Então – o senhor me perguntará – o que era
aquilo? Ah, lei ladra, o poder da vida [...] Mas eu gostava dele, dia mais dia,
mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa feita. Era ele
estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho,
e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe, e eu só nele pensava. E eu
mesmo não entendia o que aquilo era? Sei que sim. Mas não. E eu mesmo entender
não queria. Acho que. Aquela meiguice [...] o cheiro do corpo dele, dos braços,
que às vezes adivinhei insensatamente – tentação dessa eu espairecia, aí rijo
comigo renegava.
Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa, 1956
Torna-se evidente que a máscara heterossexual de Riobaldo é a
que lhe angustia, pois exerce, no bando, esta face de sua identidade, todavia
se compraz no amor – embora rejeitado, negado, velado – por Diadorim, sujeito
do mesmo sexo.
Evidencia-se no fragmento citado um complexo de identidade
vivido pela personagem em foco, que mantém uma luta interna entre o ser homem
(heterossexual, macho, viril, jagunço) e o ser gay (dar vazão ao desejo sexual
pelo outro do mesmo sexo). Essa luta talvez possa ser dirimida se pensarmos que
a crise pela qual passa não diz respeito diretamente a uma questão que o aloca
no plano interpretativo dos que são “puramente” gays. Ora, pensar o gay de um ponto
de vista cultural, social, antropológico, por exemplo, equivale a entendê-lo
como um sujeito que exerce sua cidadania (ou que deveria exercer, uma vez que
ainda é negada a cidadania a muitos gays no Ocidente), mantenedor não só do desejo
afetivo-emocional (incluído aqui o sexual) pelo outro do mesmo sexo, mas também
de toda uma cultura e desejo (desejo no sentido de uma estrutura psíquica,
segundo a teoria psicanalítica), fato que o coloca num patamar não menor em
relação ao já historicamente consolidado sujeito heterossexual. […]
Riobaldo incorpora a agonia do gay contemporâneo que “saiu do
armário” e se vê diante de portas ainda fechadas para uma condição cambiante,
ainda posta em prova nos cenários violentos das grandes cidades em que a
“permissividade” do exercício da cidadania gay ainda é incipiente, preliminar,
embora saibamos das várias conquistas sociais e culturais que os gays
conseguiram nas duas últimas décadas.
“Desejo homoerótico em Grande
Sertão: Veredas”, Antonio
de Pádua Dias da Silva, 2007
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