A homossexualidade é muitas vezes considerada um comportamento “anormal”, mas a história mostra que estas considerações são bem recentes.
Vivemos em um mundo que está concedendo os mesmos direitos a todos, não importando sua orientação sexual – embora seja um processo lento. Alguns têm recusado publicamente este fenômeno, legislativamente necessário para a igualdade, chamando a homossexualidade e outras “opções não-tradicionais” de anormais, desumanas, indecentes, etc. Entretanto, a história mostra o contrário. Confira:
1 – Elites da Grécia e Roma
Estudar os clássicos, especialmente Platão, nos ensina que o caminho para a vida adulta na Grécia Antiga incluía a interação entre um mentor e um jovem aprendiz, ambos do sexo masculino, que ocasionalmente, seria sexual. O que podemos considerar hoje como pedofilia era visto como “amor-de-meninos“, ou a relação entre um adulto e um menino púbere que não seria considerado um adulto, até que fosse capaz de crescer uma barba cheia.
No entanto, havia também pessoas do mesmo sexo vivendo relacionamentos românticos na Grécia e Roma antigas quando já adultos. No século IV a.C., por exemplo, uma tropa grega formada exclusivamente por bi e homossexuais assumidos, conhecida como “O Batalhão Sagrado de Tebas” foi considerado o melhor exército de Tebas. Documentos antigos comprovam que o Batalhão Sagrado foi formado por 150 casais do sexo masculino, porque seu amor mútuo e dedicação os fizeram lutar ferozmente.
2 – Índios americanos e o “Third Gender“
Durante os séculos XVII e XVIII, no Vale do Mississippi, houve um terceiro gênero conhecido pelos americanos nativos. Os franceses consideravam-lhes berdaches, um termo depreciativo cujo significado seria algo como “macho-meretriz”. Hoje, acadêmicos e estudiosos usam palavras como “Two-Spirit” (duas-almas) ou “Third Gender” (terceiro gênero/sexo) para descrever essas pessoas.
Historiadores e etnógrafos observaram que estes indivíduos fisicamente masculinos assumiram trabalhos femininos tradicionais, travestidos de mulheres e envolvidos em relacionamentos com outros homens. Eles desempenharam um papel vital, muitas vezes sagrado na comunidade. Escreveu o antropólogo Walter Williams sobre o assunto:
“Berdaches tinham um reconhecimento especial na sociedade nativa não por eles terem se tornado fêmeas sociais, mas por tomarem uma posição entre os sexos. Eles serviam de intermediários entre mulheres e homens, em mais do que apenas um sentido social. Eles não são considerados iguais aos homens e mulheres, a sua diferença enfatizada é uma maneira de definir o que as mulheres são, e que os homens são.”
“Berdaches tinham um reconhecimento especial na sociedade nativa não por eles terem se tornado fêmeas sociais, mas por tomarem uma posição entre os sexos. Eles serviam de intermediários entre mulheres e homens, em mais do que apenas um sentido social. Eles não são considerados iguais aos homens e mulheres, a sua diferença enfatizada é uma maneira de definir o que as mulheres são, e que os homens são.”
Sua androginia, ao invés de ameaçar o sistema de gênero, foi incorporada a ele. Eles eram comuns em diversas tribos americanas.
3 – Casamentos entre mulheres na Nigéria
Hoje, o lesbianismo na Nigéria pode levar à prisão ou mesmo à pena de morte. Menos de cem anos atrás, no entanto, alguns dados foram coletados na Nigéria (e de outras partes da África), revelaram terem existido “casamentos” entre as mulheres. O estudioso Hleziphi Naomie Nyanungo, diz que é interessante notar que o “casamento de mulheres” para eles, significa a uma união do mesmo sexo:“Não é união lésbica, porque geralmente não há atração e/ou envolvimento sexual entre as partes.”
Nyanungo continua a dizer que esses casamentos eram arranjados para garantir que as mulheres pudessem exercer influência social. “Tradicionalmente, o casamento de mulheres serviu como um meio pelo qual as mulheres exerciam influência em sociedades onde a herança e sucessão passavam através da linha masculina”, escreveu Nyanungo. “Em tais sociedades, o casamento de mulheres tornava alcançável status social como chefe da família.”
Nestes casamentos, as mulheres ricas se casariam com meninas jovens, permitindo que os seus amantes masculinos e outros homens tenham relações com as meninas, às vezes em troca de presentes. O propósito de convidar os amantes do sexo masculino na equação era produzir filhos, algo que as duas mulheres sozinhas jamais conseguiriam.
4 – As tribos de Papua-Nova Guiné
A tribo Etoro, na Nova Guiné, é conhecida por sua crença de que a “força da vida” de cada homem está contida no sêmen. Assim como na Grécia antiga, rituais sexuais têm meninos em felação com homens mais velhos, passando, assim, a força de uma geração para a seguinte.
Isso tem o efeito de privilegiar o status de um macho sobre uma mulher, a tal ponto que a relação heterossexual é proibida por até 260 dias do ano, além de não poder ser realizada em ou perto de suas casas e hortas. Já as relações homossexuais são permitidas a qualquer momento como o intercâmbio de “força da vida” sendo acreditado como viabilizador de boas colheitas.
No mesmo país, a tribo Marind, também conhecida por suas práticas canibais, acredita, como o Etoro, no conceito do sêmen como força vital e costuma utiliza-lo em ritos antes do casamento heterossexual. A tribo Sambia, também em PNG, tem crenças e práticas semelhantes.
Claro, deve-se notar que esta versão da homossexualidade não poderia ser mais distante geografica, pratica, e filosoficamente do debate por direitos dos homossexuais nos Estados Unidos e na Europa.
5 – França Medieval e Europa Pré-Moderna
Um relatório de 2007 no Journal of Modern History mostrou que casais do mesmo sexo na França Medieval poderiam, por meios de um contrato juridicamente legal de “irmandade/fraternidade”, compartilhar a mesma casa, propriedade e vida.
Embora o contrato, por vezes, referir-se exclusivamente aos irmãos, o relatório também observou que, em certas ocasiões, estes contratos domésticos compartilhados poderiam referir-se a pares não consanguíneos. Essas uniões eram estritamente seculares, não religiosas. No acordo, ambas as partes serviam de herdeiro um do outro.
A prática também é documentada no resto do continente, especialmente nos países mediterrâneos. Acordos semelhantes foram realizadas em toda a Europa pré-moderna, e alguns tinham componentes religiosos, como o escritor e advogado Eric Berkowitz escreveu: “No período até aproximadamente o século XIII, cerimônias de união entre homens foram realizadas em igrejas por todo o Mediterrâneo. Essas uniões foram santificadas por padres, com muitas das mesmas preces e ritos usados no casamento. As cerimônias salientavam o amor e compromisso pessoal acima da procriação, entretanto, casais que se uniam em tais liturgias, provavelmente tiveram relações sexuais tanto (ou tão pouco) quanto seus homólogos heterossexuais.”
Muito tem sido escrito sobre como esses matrimônios eram tidos mais como parceria doméstica do que como um casamento entre o mesmo sexo, por isso é difícil afirmar definitivamente que o casamento do mesmo sexo era comum em toda a Europa na época.
De qualquer forma, a história deixa claro que, referente às parcerias, o “tradicional”, ou “conservador”, pode significar mais do que apenas um homem e uma mulher.
Rafael Fernandes, 2016-02-12